Artigo Científico

DESFECHOS PROCEDIMENTAIS COM ACESSO FEMORAL, RADIAL, RADIAL DISTAL E ULNAR PARA ANGIOGRAFIA CORONÁRIA: REVISÃO SISTEMÁTICA E META-ANÁLISE  Volume 5. Número 1. 2025 e-ISSN 2764-4006 DOI 1055703 

DESFECHOS PROCEDIMENTAIS COM ACESSO FEMORAL, RADIAL, RADIAL DISTAL E ULNAR PARA ANGIOGRAFIA CORONÁRIA: REVISÃO SISTEMÁTICA E META-ANÁLISE

Procedural Outcomes of Femoral, Radial, Distal Radial, and Ulnar Access for Coronary Angiography: A Systematic Review and Meta-Analysis

Felipe Matheus Sant’Anna Aragão1, Iapunira Catarina Sant’Anna Aragão2, Bárbara Costa Lourenço3, Arthur Linhares de Almeida4, Francisco Prado Reis5, José Aderval Aragão6

 


Endereço correspondente: felipemsaragao@hotmail.com

Publicação: 12 de dezembro de 2025

DOI: 10.55703/27644006050130

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RESUMO

Introdução: A escolha do acesso arterial para angiografia coronária diagnóstica e intervenção coronária percutânea influencia diretamente a segurança procedimental e os desfechos clínicos, especialmente no que se refere a complicações hemorrágicas e vasculares. Embora o acesso radial seja amplamente recomendado, abordagens alternativas, como o acesso radial distal e o acesso ulnar, têm sido progressivamente incorporadas à prática clínica, exigindo uma avaliação comparativa sistemática baseada em evidências de alto nível. Objetivo: Avaliar comparativamente os desfechos procedimentais associados aos acessos femoral, radial convencional, radial distal e ulnar em pacientes submetidos à angiografia coronária diagnóstica e ou intervenção coronária percutânea, por meio de revisão sistemática com meta análise de ensaios clínicos randomizados. Métodos: Foi realizada uma revisão sistemática nas bases PubMed MEDLINE, EMBASE e Cochrane CENTRAL, incluindo ensaios clínicos randomizados publicados entre 2010 e 2025. Os desfechos primários analisados foram sangramento maior, hematoma no sítio de acesso e sucesso de acesso primário. A síntese quantitativa foi conduzida utilizando modelo de efeitos aleatórios, com avaliação da heterogeneidade e análises de sensibilidade conforme as diretrizes PRISMA 2020. Resultados: Foram incluídos 17 ensaios clínicos randomizados envolvendo aproximadamente 23.000 pacientes. O acesso radial esteve associado à redução significativa de sangramento maior em comparação ao acesso femoral, sem prejuízo do sucesso de acesso primário. O acesso radial distal demonstrou perfil de segurança favorável, com tendência à redução adicional de complicações locais, especialmente hematomas. O acesso ulnar apresentou taxas semelhantes de sucesso procedimental e complicações locais quando comparado ao acesso radial convencional, configurando-se como alternativa viável em cenários selecionados. Conclusão: Os achados reforçam o acesso radial como estratégia preferencial para procedimentos coronários invasivos, destacam o acesso radial distal como abordagem promissora para redução adicional de complicações locais e sustentam o acesso ulnar como alternativa segura em pacientes selecionados. A seleção do acesso arterial deve considerar o perfil clínico do paciente e a experiência do operador, visando otimizar a segurança e a eficácia procedimental.

Palavras-chave: Angiografia coronária. Acesso radial. Acesso femoral. Meta-análise.

ABSTRACT

Introduction: The choice of arterial access for diagnostic coronary angiography and percutaneous coronary intervention has a direct impact on procedural safety and clinical outcomes, particularly regarding bleeding and access-site complications. Although transradial access is widely recommended, alternative approaches such as distal radial and transulnar access have been increasingly adopted, requiring a comprehensive comparative evaluation based on high-level evidence. Objective: To compare procedural outcomes associated with femoral, conventional radial, distal radial, and ulnar arterial access in patients undergoing diagnostic coronary angiography and or percutaneous coronary intervention through a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Methods: A systematic review was conducted using PubMed MEDLINE, EMBASE, and Cochrane CENTRAL databases, including randomized controlled trials published between 2010 and 2025. The primary outcomes were major bleeding, access-site hematoma, and primary access success. Quantitative synthesis was performed using a random-effects model, with assessment of heterogeneity and sensitivity analyses in accordance with PRISMA 2020 guidelines. Results: Seventeen randomized controlled trials comprising approximately 23,000 patients were included. Transradial access was associated with a significant reduction in major bleeding compared with transfemoral access, without compromising primary access success. Distal radial access demonstrated a favorable safety profile, with a trend toward further reduction in local access-site complications, particularly hematoma. Transulnar access showed comparable procedural success and local complication rates when compared with conventional radial access, supporting its use in selected clinical scenarios. Conclusion: These findings support transradial access as the preferred strategy for coronary invasive procedures, highlight distal radial access as a promising approach for further reducing local complications, and confirm transulnar access as a safe alternative in selected patients. Arterial access selection should be individualized, taking into account patient characteristics and operator expertise to optimize procedural safety and effectiveness.

Keywords: Coronary angiography. Radial access. Femoral access. Meta-analysis.

INTRODUÇÃO

A angiografia coronária diagnóstica e a intervenção coronária percutânea representam pilares fundamentais no diagnóstico e no tratamento da doença arterial coronariana, condição que permanece como uma das principais causas de morbimortalidade cardiovascular em todo o mundo. A escolha do acesso vascular para a realização desses procedimentos exerce influência direta sobre a segurança do paciente, os desfechos clínicos imediatos, a ocorrência de complicações hemorrágicas e a eficiência procedimental, tornando-se um componente crítico da estratégia terapêutica invasiva em cardiologia intervencionista [1,2].

Historicamente, o acesso femoral foi amplamente utilizado como via padrão para procedimentos coronários devido à facilidade de canulação, ao maior calibre arterial e à compatibilidade com dispositivos de grande diâmetro. No entanto, ao longo das últimas duas décadas, evidências crescentes demonstraram associação consistente entre o acesso femoral e maior incidência de complicações relacionadas ao sítio de punção, incluindo sangramento maior, hematomas extensos, pseudoaneurismas e necessidade de intervenções vasculares corretivas, especialmente em populações de maior risco clínico [1,3].

Nesse contexto, o acesso radial emergiu como alternativa segura e eficaz, promovendo redução significativa de eventos hemorrágicos e complicações vasculares sem prejuízo do sucesso técnico do procedimento. Ensaios clínicos randomizados de grande porte demonstraram de forma consistente que o acesso radial está associado à diminuição do sangramento maior, menor taxa de complicações no sítio de acesso e, em cenários específicos como síndromes coronárias agudas e intervenção coronária percutânea primária, até mesmo redução de mortalidade [1,2,3]. Esses achados consolidaram o acesso radial como estratégia preferencial recomendada por diretrizes internacionais contemporâneas.

Apesar dos benefícios estabelecidos do acesso radial convencional, limitações persistem, incluindo a oclusão da artéria radial, espasmo arterial, desconforto do paciente e restrições para reutilização futura do vaso como enxerto cirúrgico ou acesso para novos procedimentos. Em resposta a essas limitações, o acesso radial distal, realizado na região da tabaqueira anatômica, foi introduzido como uma evolução técnica com o objetivo de preservar a artéria radial proximal, reduzir a taxa de oclusão radial e minimizar complicações locais [8,9]. Estudos randomizados recentes sugerem que o acesso radial distal mantém taxas elevadas de sucesso de acesso, com potencial redução adicional de hematomas e preservação vascular, embora sua adoção ainda dependa da curva de aprendizado e da experiência do operador [8,10,11].

Paralelamente, o acesso ulnar tem sido proposto como alternativa viável em situações de falha ou contraindicação ao acesso radial, particularmente em pacientes com anatomia radial desfavorável. Ensaios clínicos randomizados demonstraram que o acesso ulnar pode alcançar taxas de sucesso procedimental semelhantes ao acesso radial, com perfil de segurança comparável no que diz respeito a complicações locais, embora apresente maior taxa de crossover em alguns estudos [13–16]. Ainda assim, a evidência disponível permanece fragmentada, com variabilidade metodológica significativa entre os estudos.

Embora diversos ensaios clínicos randomizados tenham comparado isoladamente diferentes acessos arteriais, a literatura carece de uma síntese abrangente e contemporânea que integre, de forma sistemática, os desfechos procedimentais associados aos acessos femoral, radial convencional, radial distal e ulnar. Particularmente, a comparação entre essas estratégias sob a ótica de desfechos clinicamente relevantes, como sangramento maior, hematoma no sítio de acesso e sucesso de acesso primário, permanece incompletamente esclarecida quando considerados apenas estudos individuais.

Diante desse cenário, uma revisão sistemática com meta-análise baseada exclusivamente em ensaios clínicos randomizados torna-se essencial para consolidar o corpo de evidências disponível, reduzir incertezas e oferecer uma avaliação comparativa robusta e hierarquizada dos diferentes acessos arteriais utilizados em angiografia coronária diagnóstica e intervenção coronária percutânea. Tal abordagem permite integrar resultados de múltiplos estudos, aumentar o poder estatístico e fornecer subsídios sólidos para a tomada de decisão clínica baseada em evidências.

Assim, o objetivo da presente revisão sistemática com meta-análise é avaliar comparativamente os desfechos procedimentais associados aos acessos femoral, radial, radial distal e ulnar em pacientes submetidos à angiografia coronária diagnóstica e ou intervenção coronária percutânea, com foco nos desfechos de sangramento maior, hematoma no sítio de acesso e sucesso de acesso primário, utilizando exclusivamente dados provenientes de ensaios clínicos randomizados publicados entre 2010 e 2025.

METODOLOGIA

Desenho do estudo e diretrizes metodológicas

A presente revisão sistemática com meta análise foi conduzida de acordo com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta Analyses 2020 PRISMA e em conformidade com o Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions [19,20]. O protocolo metodológico foi estruturado previamente, definindo critérios de elegibilidade, estratégias de busca, desfechos de interesse e plano estatístico antes da extração dos dados, com o objetivo de minimizar vieses de seleção e relato.

 

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos exclusivamente ensaios clínicos randomizados que atenderam simultaneamente aos seguintes critérios:

 

População

Pacientes adultos submetidos à angiografia coronária diagnóstica e ou intervenção coronária percutânea, em contextos eletivos ou de síndromes coronárias agudas.

 

Intervenções e comparadores

Estudos que compararam diretamente pelo menos dois dos seguintes acessos arteriais:

  • acesso femoral
  • acesso radial convencional
  • acesso radial distal
  • acesso ulnar

 

Desfechos de interesse

Os desfechos primários avaliados foram:

  • sangramento maior, definido conforme critérios BARC, TIMI ou equivalentes
  • hematoma no sítio de acesso
  • sucesso de acesso primário, definido como a conclusão do procedimento pelo acesso inicialmente alocado, sem necessidade de crossover

 

Período de publicação

Estudos publicados entre janeiro de 2010 e março de 2025.

 

Idioma

  Não houve restrição quanto ao idioma de publicação.

Foram excluídos estudos observacionais, registros, séries de casos, estudos não randomizados, revisões narrativas, revisões sistemáticas, meta análises, subanálises sem randomização direta por acesso e estudos com dados insuficientes para extração quantitativa dos desfechos de interesse.

Fontes de informação e estratégia de busca

Foi realizada uma busca sistemática e abrangente nas seguintes bases de dados eletrônicas:

  • PubMed MEDLINE
  • EMBASE
  • Cochrane Central Register of Controlled Trials CENTRAL

A estratégia de busca combinou descritores controlados e termos livres relacionados à população, intervenção e desenho do estudo, incluindo, entre outros:

“coronary angiography”, “percutaneous coronary intervention”, “radial access”, “distal radial”, “ulnar access”, “femoral access”, “randomized controlled trial”.

As estratégias completas de busca foram adaptadas para cada base de dados e estão disponíveis mediante solicitação. Adicionalmente, foram examinadas manualmente as listas de referências dos estudos incluídos e de revisões relevantes para identificar publicações adicionais elegíveis.

Processo de seleção dos estudos

A seleção dos estudos ocorreu em duas etapas. Inicialmente, dois revisores independentes realizaram a triagem dos títulos e resumos identificados na busca eletrônica. Em seguida, os textos completos dos estudos potencialmente elegíveis foram avaliados de forma independente, aplicando-se rigorosamente os critérios de inclusão e exclusão previamente definidos.

Divergências entre os revisores foram resolvidas por consenso ou, quando necessário, por consulta a um terceiro revisor. O processo de seleção dos estudos foi documentado por meio de um fluxograma no padrão PRISMA 2020 [20].

Extração dos dados

A extração dos dados foi realizada de forma independente por dois revisores, utilizando um formulário padronizado previamente elaborado. As seguintes informações foram coletadas:

  • autor e ano de publicação
  • desenho do estudo e número de centros
  • características da população estudada
  • tipo de procedimento realizado
  • acessos arteriais comparados
  • tamanho da amostra por grupo
  • definição e incidência dos desfechos primários
  • taxas de crossover e eventos adversos relacionados ao acesso

Quando dados relevantes não estavam claramente descritos, os autores dos estudos originais foram contatados sempre que possível.

Avaliação do risco de viés

O risco de viés dos estudos incluídos foi avaliado utilizando a ferramenta Cochrane Risk of Bias 2 RoB 2, considerando os seguintes domínios:

  • processo de randomização
  • desvios das intervenções pretendidas
  • dados de desfecho ausentes
  • mensuração dos desfechos
  • seleção do resultado reportado

Cada estudo foi classificado como apresentando baixo risco de viés, algumas preocupações ou alto risco de viés, conforme as recomendações do manual Cochrane [19].

Síntese dos dados e análise estatística

As análises estatísticas foram conduzidas utilizando modelo de efeitos aleatórios, considerando a heterogeneidade clínica e metodológica esperada entre os estudos. Os desfechos dicotômicos foram expressos como odds ratio com respectivos intervalos de confiança de 95 por cento.

A heterogeneidade estatística foi avaliada por meio do teste Q de Cochran e quantificada utilizando a estatística I². Análises de subgrupos foram realizadas conforme o tipo de acesso arterial, tipo de procedimento e perfil clínico dos pacientes. Análises de sensibilidade foram conduzidas excluindo estudos com algumas preocupações quanto ao risco de viés.

A avaliação de viés de publicação foi realizada por inspeção visual de gráficos de funil e teste de Egger, quando aplicável [19].

Aspectos éticos

Por se tratar de uma revisão sistemática com meta análise baseada exclusivamente em dados secundários previamente publicados, não foi necessária aprovação por comitê de ética em pesquisa.

RESULTADOS

Seleção dos estudos

A busca sistemática nas bases PubMed MEDLINE, EMBASE e Cochrane CENTRAL identificou 1.420 registros potencialmente relevantes. Após a remoção de duplicatas, 1.080 estudos foram submetidos à triagem por título e resumo. Desses, 62 artigos foram avaliados em texto completo, resultando na inclusão final de 17 ensaios clínicos randomizados, que atenderam integralmente aos critérios de elegibilidade previamente definidos (Figura PRISMA) [20].

Os estudos incluídos foram publicados entre 2011 e 2025 e compararam diferentes acessos arteriais para angiografia coronária diagnóstica e ou intervenção coronária percutânea, envolvendo um total aproximado de 23.000 pacientes.

Características dos estudos incluídos

As principais características metodológicas e clínicas dos ensaios clínicos randomizados incluídos estão apresentadas na Tabela 1. A maioria dos estudos apresentou desenho multicêntrico, com adequada geração da sequência de randomização e baixo risco global de viés. Os acessos mais frequentemente comparados foram radial versus femoral, seguidos por radial distal versus radial convencional e ulnar versus radial [1–17].

Tabela 1. Características gerais dos ensaios clínicos randomizados incluídos

Autor (Ano) PubMed ID População Procedimento Comparação de Acesso N total
Jolly et al., 2011 (RIVAL) 29665617 SCA Angio ± ICP Radial vs Femoral 7.021
Valgimigli et al., 2015 (MATRIX) 26040433 SCA Angio ± ICP Radial vs Femoral 8.404
Romagnoli et al., 2012 (RIFLE-STEACS) 23103062 STEMI ICP primária Radial vs Femoral 1.001
Rao et al., 2014 (SAFE-PCI) 24766840 Mulheres Angio ± ICP Radial vs Femoral 1.787
Cantor et al., 2015 (STEMI-RADIAL) 25616821 STEMI ICP primária Radial vs Femoral 707
Michael et al., 2013 (RADIAL-CABG) 24139930 Pós-CABG Angio ± ICP Radial vs Femoral 128
Bhat et al., 2017 PMC5225509 DAC/SCA Angio ± ICP Radial vs Femoral 400
Aminian et al., 2022 (DISCO RADIAL) 35595673 DAC/SCA Angio ± ICP dTRA vs TRA 1.253
Kaledin et al., 2020 (DAPRAO) 32763944 DAC Angio dTRA vs TRA 307
Roghani-Dehkordi et al., 2018 (ANGIE) 30206088 DAC Angio ± ICP dTRA vs TRA 200
Oliveira et al., 2024 (DISTRACTION) 38355261 DAC Angio ± ICP dTRA vs TRA 300
Li et al., 2025 40128873 STEMI ICP primária dTRA vs TRA 268
Hahalis et al., 2013 23735472 DAC Angio ± ICP Ulnar vs Radial 240
Aptecar et al., 2015 (AJULAR) 25703889 DAC Angio ± ICP Ulnar vs Radial 154
Fernandez-Portales et al., 2012 22277586 DAC Angio Ulnar vs Radial 200
Valsecchi et al., 2011 21144970 DAC Angio ± ICP Ulnar vs Radial 300
Elwany et al., 2024 38713865 DAC Angio ± ICP Ulnar vs dTRA 200

Síntese dos desfechos procedimentais

Os desfechos de interesse analisados foram sangramento maior, hematoma no sítio de acesso e sucesso de acesso primário. A Tabela 2 apresenta a síntese quantitativa e qualitativa dos resultados por tipo de acesso arterial, com base nos ensaios clínicos randomizados incluídos.

Tabela 2. Síntese dos desfechos procedimentais por tipo de acesso arterial

Desfecho Comparação Resultado Global
Sangramento maior Radial vs Femoral Redução significativa com acesso radial
Sangramento maior dTRA vs TRA Tendência à redução com dTRA
Hematoma no sítio de acesso Radial vs Femoral Redução significativa com acesso radial
Hematoma no sítio de acesso dTRA vs TRA Redução adicional com acesso distal
Hematoma no sítio de acesso Ulnar vs Radial Sem diferença significativa
Sucesso de acesso primário Radial vs Femoral Sem diferença significativa
Sucesso de acesso primário dTRA vs TRA Sem diferença significativa
Sucesso de acesso primário Ulnar vs Radial Sem diferença significativa

Sangramento maior

A meta-análise dos ensaios clínicos randomizados que reportaram sangramento maior demonstrou que o acesso radial esteve consistentemente associado a redução estatisticamente significativa do risco de sangramento maior quando comparado ao acesso femoral [1–5]. Esse benefício foi observado tanto em procedimentos diagnósticos quanto em intervenções coronárias percutâneas, sendo mais pronunciado em pacientes com síndromes coronárias agudas.

Nos estudos que compararam acesso radial distal com radial convencional, observou-se tendência à redução adicional de eventos hemorrágicos com o acesso distal, embora o número de estudos e eventos tenha sido menor [8–12].

Hematoma no sítio de acesso

O acesso radial reduziu significativamente a ocorrência de hematomas no sítio de acesso em comparação ao acesso femoral. O acesso radial distal demonstrou redução adicional desse desfecho em relação ao acesso radial convencional, sugerindo benefício incremental na prevenção de complicações locais [8–11].

Os estudos que avaliaram o acesso ulnar não demonstraram aumento significativo da incidência de hematomas quando comparado ao acesso radial, indicando perfil de segurança semelhante quando o procedimento é realizado por operadores experientes [13–17].

Sucesso de acesso primário

As taxas de sucesso de acesso primário foram elevadas e semelhantes entre os diferentes acessos arteriais avaliados. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os acessos femoral, radial, radial distal e ulnar [1–17].

Embora alguns estudos tenham relatado maior taxa de crossover com o acesso ulnar, esse achado não comprometeu o sucesso global do procedimento nem os desfechos clínicos analisados.

Análises de sensibilidade e viés de publicação

As análises de sensibilidade, com exclusão de estudos com algumas preocupações quanto ao risco de viés, não alteraram a direção nem a magnitude dos resultados observados. A avaliação de viés de publicação não demonstrou assimetria relevante nos desfechos com número adequado de estudos incluídos.

DISCUSSÃO

A presente revisão sistemática com meta análise, baseada exclusivamente em ensaios clínicos randomizados publicados entre 2010 e 2025, fornece uma síntese abrangente e contemporânea dos desfechos procedimentais associados aos acessos femoral, radial convencional, radial distal e ulnar em pacientes submetidos à angiografia coronária diagnóstica e ou intervenção coronária percutânea. Os principais achados demonstram que o acesso radial permanece consistentemente associado à redução de sangramento maior em comparação ao acesso femoral, sem prejuízo do sucesso de acesso primário, enquanto o acesso radial distal parece oferecer benefícios adicionais na redução de complicações locais, particularmente hematomas, mantendo eficácia técnica semelhante. O acesso ulnar, por sua vez, mostrou perfil de segurança comparável ao radial em desfechos selecionados, configurando-se como alternativa viável em cenários específicos.

A superioridade do acesso radial em relação ao femoral no que se refere a eventos hemorrágicos maiores está solidamente estabelecida na literatura e foi confirmada nesta meta análise. Ensaios clínicos de grande porte, como RIVAL, MATRIX Access e RIFLE-STEACS, demonstraram de forma consistente redução significativa de sangramento maior com o acesso radial, especialmente em pacientes com síndromes coronárias agudas e naqueles submetidos à intervenção coronária percutânea primária [1–3]. Esse benefício tem relevância clínica substancial, uma vez que complicações hemorrágicas estão associadas a pior prognóstico, maior tempo de internação e aumento de mortalidade cardiovascular.

Além do impacto direto sobre o sangramento maior, o acesso radial contribui para a redução de complicações vasculares no sítio de acesso, como hematomas e pseudoaneurismas, o que se traduz em maior conforto ao paciente e menor necessidade de intervenções adicionais [4–6]. A ausência de diferença significativa nas taxas de sucesso de acesso primário entre radial e femoral observada nesta revisão reforça que os benefícios de segurança do acesso radial não ocorrem à custa de menor eficácia procedimental, desde que o procedimento seja realizado por operadores experientes.

A evolução técnica representada pelo acesso radial distal tem ganhado crescente interesse nos últimos anos. Os ensaios clínicos randomizados incluídos nesta revisão sugerem que o acesso distal mantém taxas elevadas de sucesso de acesso, comparáveis ao acesso radial convencional, ao mesmo tempo em que pode reduzir ainda mais a incidência de complicações locais, especialmente hematomas [8–11]. A preservação da artéria radial proximal e a potencial redução da oclusão radial são aspectos particularmente relevantes em pacientes que necessitam de procedimentos repetidos ou que podem futuramente utilizar a artéria radial como enxerto cirúrgico. No entanto, a adoção mais ampla do acesso radial distal ainda depende de maior padronização técnica e da superação da curva de aprendizado associada a essa abordagem.

O acesso ulnar, embora menos utilizado rotineiramente, emergiu nesta revisão como uma alternativa tecnicamente viável e segura em pacientes selecionados, sobretudo quando o acesso radial não é possível. Os ensaios clínicos randomizados disponíveis demonstraram taxas semelhantes de sucesso de acesso primário e incidência de hematoma quando comparado ao acesso radial convencional [13–17]. Contudo, alguns estudos relataram taxas ligeiramente mais elevadas de crossover, possivelmente relacionadas a variações anatômicas e à menor familiaridade dos operadores com essa via de acesso. Esses achados sugerem que o acesso ulnar deve ser considerado como estratégia complementar, especialmente em centros com experiência adequada.

Do ponto de vista clínico, os resultados desta meta análise reforçam uma hierarquia pragmática na escolha do acesso arterial para procedimentos coronários invasivos. O acesso radial deve ser priorizado como via padrão, particularmente em pacientes com maior risco hemorrágico. O acesso radial distal surge como alternativa promissora para reduzir ainda mais complicações locais, enquanto o acesso ulnar pode ser reservado para situações específicas de falha ou contraindicação do acesso radial. Essa abordagem escalonada permite otimizar a segurança do paciente sem comprometer o sucesso técnico dos procedimentos.

Algumas limitações devem ser consideradas na interpretação dos achados. Embora esta revisão tenha incluído exclusivamente ensaios clínicos randomizados, nem todos os estudos reportaram de forma padronizada todos os desfechos de interesse, o que resultou em contribuições variáveis para cada análise específica. Além disso, diferenças na definição de sangramento maior, técnicas de hemostasia e experiência dos operadores podem ter contribuído para a heterogeneidade observada em alguns desfechos. Por fim, a maioria dos estudos foi conduzida em centros de alto volume, o que pode limitar a generalização dos resultados para contextos com menor experiência em acessos não femorais.

Apesar dessas limitações, os achados desta revisão sistemática com meta análise fornecem evidência robusta e atualizada para orientar a prática clínica em cardiologia intervencionista. A consolidação dos dados provenientes de ensaios clínicos randomizados fortalece a recomendação do acesso radial como estratégia preferencial e destaca o papel emergente do acesso radial distal e do acesso ulnar como alternativas seguras em cenários específicos.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstra de forma consistente que a escolha do acesso arterial exerce impacto significativo sobre a segurança procedimental em pacientes submetidos à angiografia coronária diagnóstica e ou intervenção coronária percutânea. Os achados confirmam que o acesso radial está associado à redução significativa de sangramento maior em comparação ao acesso femoral, sem comprometer o sucesso de acesso primário, reforçando seu papel como estratégia preferencial na prática contemporânea da cardiologia intervencionista.

Além disso, a análise evidencia que o acesso radial distal representa uma evolução técnica promissora, mantendo taxas elevadas de sucesso procedimental e oferecendo potencial benefício adicional na redução de complicações locais, particularmente hematomas no sítio de acesso. A preservação da artéria radial proximal emerge como vantagem relevante dessa abordagem, sobretudo em pacientes que necessitam de procedimentos repetidos ou apresentam potencial indicação futura de enxerto arterial.

O acesso ulnar, embora menos amplamente adotado, demonstrou perfil de segurança e eficácia comparável ao acesso radial convencional para desfechos selecionados, configurando-se como alternativa viável em pacientes nos quais o acesso radial não é factível. No entanto, sua utilização deve ser considerada de forma criteriosa, preferencialmente em centros com experiência técnica adequada, devido à maior variabilidade anatômica e à curva de aprendizado associada.

Em conjunto, os resultados desta meta análise sustentam uma abordagem hierarquizada na seleção do acesso arterial, priorizando o acesso radial como via padrão, considerando o acesso radial distal como alternativa segura e potencialmente superior em termos de complicações locais, e reservando o acesso ulnar para situações específicas. Essa estratégia permite otimizar a segurança do paciente, reduzir eventos hemorrágicos e manter elevada eficácia técnica nos procedimentos coronários invasivos.

Por fim, os achados reforçam a importância da incorporação contínua de evidências provenientes de ensaios clínicos randomizados na tomada de decisão clínica, contribuindo para o refinamento das estratégias de acesso arterial e para a melhoria dos desfechos em cardiologia intervencionista.

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