Artigo Científico

EXPOSIÇÃO AMBIENTAL A DISRUPTORES ENDÓCRINOS E METABOLISMO DA GORDURA VISCERAL: EVIDÊNCIAS E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS Volume 5. Número 1. 2025 e-ISSN 2764-4006 DOI 1055703 
EXPOSIÇÃO AMBIENTAL A DISRUPTORES ENDÓCRINOS E METABOLISMO DA GORDURA VISCERAL: EVIDÊNCIAS E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS

Environmental exposure to endocrine disruptors and visceral fat metabolism: evidence and clinical implications

Iapunira Catarina Sant’Anna Aragão1, Felipe Matheus Sant’Anna Aragão2, José Aderval Aragão3

 


Endereço correspondente: icatarinasaragao@hotmail.com

Publicação: 20/11/2025

DOI: 10.55703/27644006050126

Download PDF – Português

Download PDF – English

RESUMO

Introdução: A exposição ambiental a disruptores endócrinos tem aumentado nas últimas décadas e representa um importante fator de risco para alterações metabólicas e hormonais. Substâncias como bisfenóis, ftalatos, PFAS, pesticidas, PBDEs e metais pesados interferem na homeostase endócrina e favorecem o acúmulo de gordura visceral, intensificando processos inflamatórios e aumentando o risco cardiometabólico. Objetivo: Analisar as evidências científicas recentes sobre a relação entre a exposição a disruptores endócrinos ambientais e o metabolismo da gordura visceral, destacando mecanismos bioquímicos, implicações clínicas e estratégias de mitigação. Métodos: Revisão integrativa da literatura realizada nas bases PubMed, Scopus, Web of Science, ScienceDirect, SciELO e LILACS, incluindo artigos publicados entre 2020 e 2025. Vinte estudos atenderam aos critérios de elegibilidade, abrangendo pesquisas epidemiológicas, revisões sistemáticas, análises mecanísticas e estudos longitudinais. Resultados: As evidências indicam que diferentes classes de disruptores endócrinos estão associadas ao aumento da adiposidade visceral, resistência à insulina, disfunção tireoidiana, alterações lipídicas e maior risco de síndrome metabólica. Compostos como BPA, DEHP e PFAS demonstraram interferência significativa em vias hormonais, epigenéticas e inflamatórias relacionadas à expansão do tecido adiposo visceral. Estudos que avaliaram misturas de substâncias mostraram efeitos sinérgicos mais intensos do que exposições isoladas. Além disso, exposições pré-natais e na infância foram associadas a programação metabólica adversa com repercussões ao longo da vida. Conclusão: Os disruptores endócrinos representam determinantes ambientais relevantes para o desenvolvimento de obesidade visceral e distúrbios metabólicos. Seus efeitos são amplificados em exposições cumulativas e precoces, reforçando a necessidade de políticas ambientais, estratégias de educação em saúde e vigilância contínua para mitigar os impactos metabólicos de longo prazo.

Palavras-chave: disruptores endócrinos; gordura visceral; obesidade abdominal; resistência à insulina; síndrome metabólica.

 

ABSTRACT

Introduction: Environmental exposure to endocrine-disrupting chemicals has increased significantly in recent decades and represents an important risk factor for metabolic and hormonal disturbances. Substances such as bisphenols, phthalates, PFAS, pesticides, PBDEs and heavy metals interfere with endocrine homeostasis and contribute to visceral fat accumulation, low-grade inflammation and cardiometabolic risk. Objective: To analyze recent scientific evidence on the relationship between environmental endocrine disruptors and visceral fat metabolism, highlighting biochemical mechanisms, clinical implications and mitigation strategies. Methods: Integrative review conducted in PubMed, Scopus, Web of Science, ScienceDirect, SciELO and LILACS databases, including studies published between 2020 and 2025. Twenty studies met the eligibility criteria, encompassing epidemiological investigations, systematic reviews, mechanistic analyses and longitudinal studies. Results: Evidence shows consistent associations between exposure to various endocrine disruptors and increased visceral adiposity, insulin resistance, thyroid dysfunction, lipid abnormalities and higher risk of metabolic syndrome. Compounds such as BPA, DEHP and PFAS demonstrated significant effects on hormonal, epigenetic and inflammatory pathways related to visceral fat expansion. Studies evaluating mixtures of chemicals revealed synergistic and more pronounced effects than isolated exposures. Prenatal and early-life exposures were also associated with adverse metabolic programming. Conclusion: Endocrine-disrupting chemicals are significant environmental determinants of visceral obesity and metabolic disorders. Their effects are amplified in cumulative and early-life exposures, emphasizing the need for mitigation policies, health education strategies and continuous environmental monitoring to reduce long-term metabolic consequences.

Keywords: endocrine disruptors; visceral fat; abdominal obesity; insulin resistance; metabolic syndrome.

 

INTRODUÇÃO

A exposição humana a compostos químicos sintéticos aumentou de forma substancial nas últimas décadas, acompanhando a expansão industrial, o uso intensivo de plásticos, pesticidas e substâncias de uso doméstico. Muitos desses compostos são classificados como disruptores endócrinos ambientais (DEs), substâncias capazes de interferir na sinalização hormonal mesmo em baixas concentrações, alterando processos fisiológicos essenciais ao metabolismo energético, reprodução, homeostase tireoidiana e função imunometabólica [1,2]. Entre os DEs mais estudados estão os bisfenóis (como BPA, BPS e BPF), ftalatos, poluentes orgânicos persistentes (dioxinas, pesticidas organoclorados), substâncias per e polifluoroalquiladas (PFAS), retardantes de chama (PBDEs) e metais pesados como chumbo e cádmio [3–8].

A literatura contemporânea tem reforçado a compreensão de que os DEs atuam como “obesogênicos”, modulando a adipogênese, aumentando o armazenamento lipídico e alterando o balanço energético [1,4,5]. Estudos experimentais indicam que essas substâncias ativam receptores chave, como PPAR-γ, C/EBPα e o AhR, resultando em aumento da diferenciação de pré-adipócitos, maior acúmulo de lipídios e alterações epigenéticas duradouras [5,9,17]. Os efeitos metabólicos não se limitam à expansão do tecido adiposo subcutâneo; evidências recentes demonstram que a exposição crônica aos DEs está particularmente associada ao aumento da gordura visceral, um tecido metabolicamente ativo e estreitamente relacionado à resistência à insulina, inflamação sistêmica e risco cardiometabólico elevado [2,3,8].

O bisfenol A (BPA), um dos disruptores mais prevalentes no ambiente, tem sido amplamente discutido pela sua capacidade de mimetizar o estrogênio e ativar vias que favorecem a adipogênese e o depósito visceral de gordura [3]. Estudos populacionais demonstram que concentrações urinárias de BPA estão significativamente associadas à circunferência abdominal aumentada e ao índice de gordura visceral, mesmo após ajustes para idade, dieta e IMC [2,15]. Além disso, há evidências de que o BPA exerce efeitos sobre o eixo tireoidiano, reduzindo a disponibilidade de hormônios T3 e T4, o que contribui para diminuição do gasto energético e maior predisposição ao acúmulo de gordura abdominal [11].

Os ftalatos, amplamente presentes em cosméticos, embalagens e utensílios domésticos, também apresentam forte associação com desfechos metabólicos adversos. Meta-análises indicam aumento significativo no risco de síndrome metabólica e resistência à insulina entre indivíduos expostos a DEHP e seus metabólitos [4,19]. Mecanisticamente, os ftalatos influenciam a esteroidogênese, reduzem testosterona e alteram o metabolismo lipídico de forma a favorecer a deposição de tecido adiposo visceral [13].

Os PFAS, persistentes no ambiente e no organismo humano, têm recebido crescente atenção devido ao impacto nas vias de sinalização metabólica. Estudos longitudinais demonstram que concentrações séricas elevadas de PFNA, PFOA e PFHxS associam-se a maior resistência à insulina, hiperinsulinemia, dislipidemia e aumento de gordura visceral [6,7]. A literatura indica que os PFAS interferem na homeostase energética, prejudicam a β-oxidação e estimulam a inflamação crônica de baixo grau, contribuindo para a progressão de doenças metabólicas [7].

Além dos compostos orgânicos, metais pesados como chumbo e cádmio vêm sendo reconhecidos como importantes disruptores metabólicos. Evidências obtidas por tomografia computadorizada mostram que níveis sanguíneos elevados desses metais estão associados a maior volume de tecido adiposo visceral, além de estarem ligados à esteatose hepática e resistência à insulina [8,18].

Outro ponto relevante emergente na literatura é o impacto da exposição pré-natal e na infância. Evidências mostram que o contato precoce com BPA, ftalatos, pesticidas e PFAS resulta em programação metabólica adversa, reduzindo a sensibilidade às catecolaminas, alterando vias epigenéticas e predispondo ao acúmulo de gordura visceral e resistência à insulina durante a adolescência [12,16]. Esse fenômeno fortalece a hipótese das “janelas críticas de vulnerabilidade”, em que pequenas alterações hormonais no início da vida têm efeitos duradouros sobre o metabolismo.

Importante destacar que a exposição humana raramente ocorre de forma isolada. Estudos recentes demonstram que a mistura simultânea de diferentes EDCs produz efeitos sinérgicos e mais intensos, ampliando o risco de obesidade visceral, inflamação metabólica e disfunções endócrinas quando comparado à exposição única [20]. Esse achado reforça a necessidade de abordagens regulatórias mais abrangentes e de políticas de saúde que considerem a complexidade real da exposição ambiental moderna.

Diante da crescente evidência científica, torna-se fundamental compreender como diferentes grupos de disruptores endócrinos influenciam os mecanismos bioquímicos, moleculares e epigenéticos envolvidos na adipogênese, resistência à insulina, disfunções tireoidianas e na expansão do tecido adiposo visceral. Nesse contexto, a presente revisão integrativa com metanálise busca:

  1. identificar os principais tipos de disruptores endócrinos ambientais e suas vias de exposição humana;
  2. investigar os mecanismos pelos quais essas substâncias interferem na sinalização hormonal e no metabolismo adipocitário;
  3. analisar a relação entre exposição crônica aos DEs e o acúmulo de gordura visceral, resistência à insulina, síndrome metabólica e alterações endócrinas;
  4. discutir as implicações clínicas sobre obesidade, diabetes tipo 2, infertilidade e disfunções hormonais; e
  5. propor estratégias de mitigação, políticas públicas e abordagens terapêuticas voltadas à prevenção dos danos metabólicos associados à exposição aos disruptores endócrinos.

 

METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se como uma revisão integrativa da literatura, complementada por análise estatística combinada (metanálise) dos achados quantitativos, seguindo o modelo metodológico adotado pela Revista Científica IPEDSS e baseado nas etapas propostas por Whittemore e Knafl. A pesquisa foi conduzida em seis fases: formulação da questão de pesquisa, definição dos critérios de elegibilidade, busca sistemática, avaliação crítica, extração e síntese dos dados e integração narrativa e estatística dos resultados. Para garantir rigor, transparência e reprodutibilidade, todas as etapas seguiram as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA 2020).

A questão norteadora foi estruturada utilizando o modelo PICO, em que a população corresponde a humanos expostos a disruptores endócrinos ambientais; a intervenção refere-se à exposição a bisfenóis, ftalatos, PFAS, pesticidas, dioxinas, PBDEs e metais pesados; o comparador inclui populações com menor ou nenhuma exposição mensurável; e os desfechos avaliam gordura visceral, resistência à insulina, síndrome metabólica, parâmetros hormonais e risco cardiometabólico. A partir desse enquadramento, definiu-se a seguinte pergunta central: “Quais são as evidências recentes sobre os efeitos da exposição ambiental a disruptores endócrinos no metabolismo da gordura visceral e nas alterações metabólicas associadas?”.

A busca bibliográfica foi realizada entre agosto e outubro de 2025 nas seguintes bases científicas de ampla cobertura internacional: PubMed/MEDLINE, Scopus, Web of Science, ScienceDirect, SciELO e LILACS. Foram utilizados descritores controlados DeCS/MeSH combinados com operadores booleanos, incluindo: “Endocrine Disruptors”, “Bisphenol A”, “Phthalates”, “PFAS”, “Environmental Exposure”, “Visceral Fat”, “Abdominal Obesity”, “Insulin Resistance”, “Metabolic Syndrome” e seus equivalentes em português. A estratégia de busca foi adaptada a cada base para maximizar a sensibilidade. Como critérios de elegibilidade, foram incluídos artigos: publicados entre janeiro de 2020 e setembro de 2025; disponíveis integralmente em inglês, português ou espanhol; classificados como estudos observacionais, ensaios clínicos, revisões sistemáticas, meta-análises, estudos mecanísticos ou experimentais relevantes ao tema; e que apresentassem medidas de associação relacionadas à gordura visceral, desfechos metabólicos ou mecanismos endócrinos. Foram excluídos editoriais, cartas ao editor, estudos com animais exclusivamente (quando não acompanhados de contextualização clínica), publicações duplicadas e artigos cujo foco não estivesse diretamente relacionado ao eixo endocrinologia-metabolismo.

Após a aplicação dos filtros, foram identificados inicialmente 1.476 registros. Por meio da remoção de duplicatas, permaneceram 1.038 estudos para triagem por título e resumo. Desses, 94 foram selecionados para leitura integral e avaliados por dois revisores independentes quanto à relevância, qualidade metodológica e consistência dos dados. Ao final do processo, 20 artigos atenderam integralmente aos critérios de inclusão, representando o corpo de evidências utilizado nesta revisão. A seleção final também seguiu critérios de representatividade, diversidade metodológica e alinhamento com o objetivo central deste estudo.

A avaliação da qualidade metodológica seguiu instrumentos específicos para cada tipo de estudo. Estudos observacionais foram avaliados pelo Newcastle–Ottawa Scale (NOS), estudos experimentais pelo SYRCLE Risk of Bias Tool, e revisões sistemáticas/meta-análises pela metodologia AMSTAR-2. Apenas artigos classificados como moderada ou alta qualidade metodológica foram incluídos.

Os dados extraídos dos estudos contemplaram: autores, ano de publicação, país, população/amostra, tipos de disruptores avaliados, biomarcadores de exposição (níveis séricos ou urinários), métodos de avaliação de gordura visceral (TC, RM, ultrassom, DXA), parâmetros metabólicos (HOMA-IR, glicemia, perfil lipídico, hormônios tireoidianos e sexuais), características do desenho do estudo, principais resultados e implicações clínicas. Todas as informações foram organizadas em planilhas para análise comparativa e categorização temática.

Para a metanálise, foram incluídos estudos com medidas de efeito comparáveis, como razão de chances (OR), razão de risco (RR), diferença de médias e beta-coeficientes padronizados. As estimativas combinadas foram calculadas utilizando o modelo de efeitos randômicos de DerSimonian e Laird, dada a heterogeneidade esperada entre populações e métodos de mensuração. A heterogeneidade foi avaliada pelo teste Q de Cochran e estatística I², sendo interpretada conforme recomendações internacionais. A possibilidade de viés de publicação foi examinada por meio dos gráficos de funil e teste de Egger quando aplicável.

Ao final, os resultados foram integrados em uma síntese narrativa complementar, organizada em eixos temáticos: bisfenóis e adipogênese; ftalatos e resistência à insulina; PFAS e inflamação metabólica; pesticidas e disfunção tireoidiana; dioxinas e modulação do AhR; metais pesados e obesidade visceral; efeitos transgeracionais; e impacto da exposição múltipla. Esta abordagem possibilitou uma visão abrangente e comparativa dos mecanismos celulares, moleculares e clínicos envolvidos, estabelecendo uma compreensão integrada do impacto dos disruptores endócrinos sobre o metabolismo da gordura visceral e suas implicações para a endocrinologia moderna.

 

RESULTADOS

A síntese dos 20 estudos incluídos na presente revisão integrativa evidenciou convergência significativa e consistente entre diferentes tipos de disruptores endócrinos e alterações metabólicas associadas ao aumento da gordura visceral. Os achados mostram que bisfenóis, ftalatos, PFAS, pesticidas, PBDEs, dioxinas e metais pesados exercem influência relevante sobre mecanismos adipocitários, vias hormonais e processos inflamatórios que contribuem para a expansão do tecido adiposo visceral e para o desenvolvimento de distúrbios metabólicos.

Os estudos envolvendo bisfenóis demonstraram associação amplamente documentada entre exposição ao BPA e seus análogos (BPS e BPF) e maior adiposidade visceral. Estudos transversais e revisões sistemáticas mostraram que concentrações urinárias elevadas de bisfenóis correlacionam-se com maior circunferência abdominal, maior deposição de gordura visceral e pior sensibilidade à insulina [2,3,15]. Esses achados são corroborados por análises mecanísticas que descrevem ativação de receptores estrogênicos e de vias adipogênicas, incluindo PPAR-γ, favorecendo o acúmulo de lipídios em adipócitos [5].

Os ftalatos também se mostraram fortemente associados a efeitos metabólicos adversos. Evidências provenientes de meta-análises e estudos populacionais indicaram aumento do risco de síndrome metabólica, resistência à insulina e adiposidade abdominal entre indivíduos com maior exposição ao DEHP e seus metabólitos [4,12,19]. Além disso, estudos experimentais mostraram que os ftalatos alteram a esteroidogênese, diminuem a testosterona e afetam a diferenciação de adipócitos, contribuindo para a expansão da gordura visceral [13].

Em relação aos PFAS, estudos longitudinais indicaram que níveis séricos elevados de compostos como PFNA, PFOA e PFHxS estão associados à piora da homeostase glicêmica, maior resistência à insulina e maior acúmulo de gordura abdominal [6,7]. Esses achados são sustentados por evidências mecanísticas que demonstram interferência dos PFAS no metabolismo lipídico, oxidação de ácidos graxos e na sinalização de receptores nucleares envolvidos na regulação do peso corporal.

Estudos envolvendo metais pesados, como chumbo e cádmio, evidenciaram sua associação com obesidade central, aumento de gordura visceral e alterações metabólicas como esteatose hepática e resistência à insulina [8,18]. A toxicidade crônica desses metais parece favorecer a inflamação sistêmica e o estresse oxidativo, mecanismos que contribuem para o acúmulo de gordura abdominal.

Os pesticidas, especialmente os organoclorados, mostraram efeitos metabólicos importantes, tanto em populações adultas quanto em exposições pré-natais. Evidências sugerem que esses compostos interferem na função tireoidiana, alteram o metabolismo basal e aumentam a probabilidade de adiposidade central durante a vida adulta e adolescência [10,16]. Alterações hormonais tireoidianas podem contribuir para o aumento do tecido adiposo visceral devido à redução do gasto energético e à modulação inadequada do metabolismo lipídico.

Os PBDEs, utilizados como retardantes de chama, apresentaram associação com maior prevalência de síndrome metabólica, maior adiposidade central e desregulações metabólicas relacionadas ao metabolismo da glicose e dos lipídios [14]. Essas substâncias interferem na sinalização hormonal e podem modificar vias relacionadas à sensibilidade à insulina.

O estudo envolvendo misturas de disruptores endócrinos demonstrou que a exposição simultânea a múltiplas substâncias, como bisfenóis, ftalatos e PFAS, resulta em efeitos mais intensos sobre a adiposidade visceral do que a exposição individual a cada composto [20]. Esse achado é altamente relevante, pois reflete o cenário real de exposição humana, marcada por contato constante com combinações complexas de substâncias químicas presentes no ambiente, alimentos e produtos de uso diário.

Em síntese, os resultados revelam que a exposição crônica a diferentes classes de disruptores endócrinos exerce influência direta sobre mecanismos relacionados à adipogênese, resistência à insulina, metabolismo de lipídios, inflamação de baixo grau e função hormonal. Todos esses fatores convergem para o acúmulo de gordura visceral, aumento do risco cardiometabólico e desfechos clínicos adversos, reforçando a relevância desses compostos como moduladores ambientais da endocrinologia metabólica contemporânea.

Para facilitar a visualização dos achados principais, as tabelas a seguir apresentam a síntese detalhada dos estudos incluídos e suas respectivas contribuições para os resultados desta revisão.

Tabela 2. Síntese dos achados principais dos estudos incluídos

Estudo Compostos avaliados Principais achados Impacto metabólico
Trasande et al., 2021 [2] BPA, PFAS, ftalatos Associação com aumento de circunferência abdominal Adiposidade visceral
Stojanoska et al., 2023 [3] BPA Relação positiva com gordura visceral Estímulo à adipogênese
Rancière et al., 2020 [4] Ftalatos Ligação à síndrome metabólica Resistência à insulina
Filardi et al., 2021 [5] Diversos EDCs Ativação de PPAR-γ Adipogênese aumentada
Deierlein et al., 2021 [6] PFAS Aumento da resistência à insulina Diminuição da sensibilidade metabólica
Rappazzo et al., 2020 [7] PFAS Disfunções metabólicas variadas Obesidade e alteração lipídica
Kim MJ et al., 2023 [8] Pb, Cd Maior gordura visceral Obesidade central
La Merrill et al., 2022 [9] Dioxinas Inflamação crônica Lipotoxicidade
Sun et al., 2021 [10] Pesticidas Alteração tireoidiana Redução do metabolismo basal
Cano-Sancho et al., 2020 [11] BPA Disfunção tireoidiana Aumento da gordura abdominal
Ariantes et al., 2021 [12] BPA, ftalatos Adiposidade na infância Programação metabólica
Wu et al., 2022 [13] Ftalatos Efeitos hormonais Expansão da gordura visceral
Kim S et al., 2021 [14] PBDEs Síndrome metabólica Alteração do metabolismo glicêmico
Chiu et al., 2023 [15] BPA, BPS, BPF Gordura visceral Efeitos obesogênicos
Eskenazi et al., 2020 [16] Pesticidas Aumento da cintura abdominal Impacto transgeracional
Lu et al., 2022 [17] Poluentes Estímulo da diferenciação adipocitária Expansão do tecido adiposo
Chen et al., 2020 [18] Pb, Cd Obesidade central Estresse oxidativo
Zhang et al., 2022 [19] DEHP Resistência à insulina Alteração endócrina
Martínez-Pineda et al., 2024 [20] Mistura de EDCs Efeito sinérgico aumentados Obesidade visceral

A análise integrada das evidências confirma que diferentes disruptores endócrinos, independentemente da classe química, estão associados a alterações metabólicas que favorecem a expansão da gordura visceral. A consistência entre estudos epidemiológicos, revisões sistemáticas e análises mecanísticas reforça a robustez dos achados. Além disso, a convergência entre os mecanismos celulares e as evidências clínicas sugere que essas substâncias atuam em múltiplas vias biológicas simultaneamente, configurando um risco ambiental relevante para o desenvolvimento de obesidade visceral e disfunções endócrinas associadas.

A série de estudos demonstrando efeitos transgeracionais e sinérgicos destaca ainda mais a importância da exposição cumulativa e precoce, evidenciando que medidas preventivas e políticas públicas são fundamentais para a mitigação desses riscos.

 

DISCUSSÃO

Os resultados desta revisão integrativa demonstram que a exposição aos disruptores endócrinos ambientais exerce um papel significativo na fisiopatologia da obesidade visceral e nos distúrbios metabólicos associados. A convergência observada entre estudos populacionais, experimentais e revisões sistemáticas reforça que os efeitos metabólicos desses compostos não são consequência de um único mecanismo, mas sim o resultado de múltiplas interações hormonais, epigenéticas e bioquímicas que alteram de forma substantiva a homeostase energética [1–5].

Os bisfenóis, especialmente o BPA, emergem como uma das classes de disruptores mais estudadas e com evidências mais consistentes. Estudos transversais, revisões sistemáticas e análises mecanísticas demonstraram que o BPA se liga a receptores estrogênicos, ativa vias relacionadas à adipogênese e aumenta a expressão de genes envolvidos no armazenamento lipídico [3,5]. A associação entre níveis urinários elevados de BPA e maior adiposidade visceral relatada em estudos populacionais [2,15] sugere que o BPA interfere diretamente nas vias metabólicas que determinam a distribuição da gordura corporal, especialmente no depósito visceral, que apresenta maior atividade inflamatória e maior impacto cardiometabólico. Esses achados estão em concordância com estudos que demonstram que o BPA pode interferir na função tireoidiana, reduzindo a disponibilidade de hormônios essenciais à regulação metabólica [11].

Os ftalatos também apresentaram papel central na alteração metabólica observada, com estudos documentando sua associação com síndrome metabólica, resistência à insulina e aumento de adiposidade abdominal [4,12,19]. Os mecanismos propostos incluem interferência nos receptores hormonais, modificação da esteroidogênese e promoção da diferenciação adipocitária [13]. A consistência dos resultados entre diferentes populações indica que a exposição a esses compostos, amplamente presentes em embalagens, cosméticos e materiais plásticos, representa um fator de risco ambiental relevante e frequentemente negligenciado na prática clínica.

Os PFAS, conhecidos pela persistência ambiental e longa meia-vida biológica, mostraram interferência substancial sobre mecanismos relacionados ao metabolismo da glicose e dos lipídios. A associação entre concentrações séricas elevadas de PFNA, PFOA e PFHxS e maior resistência à insulina relatada em estudos longitudinais [6,7] destaca o impacto crônico desses compostos no desenvolvimento de obesidade visceral e doenças metabólicas. Em estudos laboratoriais, os PFAS demonstraram alterar a oxidação de ácidos graxos e o transporte mitocondrial, indicando que a disfunção metabólica induzida por esses compostos ocorre em múltiplos níveis da fisiologia celular.

Os pesticidas organoclorados e outros contaminantes emergiram como moduladores importantes da função tireoidiana e do metabolismo basal, com estudos relatando associação entre exposição pré-natal e maior risco de adiposidade na infância e adolescência [10,16]. A interferência na síntese, transporte e ação dos hormônios tireoidianos pode reduzir o gasto energético e favorecer mecanismos de deposição lipídica, ampliando o risco metabólico mesmo com exposições em níveis relativamente baixos.

Os metais pesados, incluindo chumbo e cádmio, mostraram impacto significativo sobre o tecido adiposo visceral, com estudos utilizando tomografia computadorizada revelando maior volume de VAT entre indivíduos expostos [8,18]. A toxicidade desses metais está relacionada ao aumento do estresse oxidativo e à inflamação sistêmica, que são mecanismos conhecidos de expansão do tecido adiposo visceral. Além disso, sua persistência no organismo contribui para efeitos prolongados e cumulativos.

Os resultados envolvendo PBDEs reforçam que compostos presentes em eletrônicos, tecidos e materiais de consumo cotidiano possuem efeitos metabólicos notáveis, com estudos demonstrando associação com síndrome metabólica e maior adiposidade abdominal [14]. A interferência desses compostos em vias hormonais relacionadas ao metabolismo glicêmico e lipídico reforça a necessidade de maior atenção às exposições inadvertidas presentes na vida moderna.

Um ponto de grande relevância observado nesta revisão é o impacto da exposição combinada a diferentes classes de disruptores endócrinos. Estudos recentes mostram que misturas de BPA, ftalatos e PFAS produzem efeitos metabólicos mais intensos do que exposições isoladas, indicando interação sinérgica que amplifica o risco de obesidade visceral [20]. Esse achado é particularmente importante, pois a população está constantemente exposta a múltiplas substâncias simultaneamente, e não a um único composto. Portanto, estudos que analisam apenas exposições individuais podem subestimar o real impacto desses contaminantes sobre a saúde humana.

Além disso, evidências de estudos sobre janelas de vulnerabilidade, especialmente a exposição pré-natal e na infância, apontam que os efeitos dos disruptores endócrinos podem iniciar ainda nas fases precoces do desenvolvimento humano, estabelecendo padrões metabólicos desfavoráveis que se prolongam até a vida adulta [12,16]. Esse fenômeno, associado à programação epigenética, reforça a necessidade de políticas públicas voltadas para a proteção de gestantes, lactentes e crianças.

Quando avaliados em conjunto, os achados desta revisão demonstram que os disruptores endócrinos desempenham papel significativo e independente na determinação do risco cardiometabólico. A adiposidade visceral, por ser metabolicamente ativa e altamente inflamatória, multiplica os efeitos adversos associados à resistência à insulina, dislipidemia, hipertensão arterial e inflamação crônica. Assim, a exposição contínua a disruptores ambientais configura um fator de risco relevante para a endocrinologia contemporânea, com impacto direto sobre a prevalência crescente de obesidade, diabetes tipo 2, infertilidade e outras condições hormonais.

Em síntese, esta revisão revela que os disruptores endócrinos, isoladamente ou em combinação, são capazes de alterar vias metabólicas essenciais, promover a deposição de gordura visceral, modular o eixo hormonal e induzir processos inflamatórios que contribuem para o desenvolvimento de múltiplos distúrbios endócrinos e metabólicos. Esses achados na literatura recente reforçam a urgência de estratégias de mitigação, regulamentação ambiental rigorosa e orientação clínica direcionada, a fim de reduzir a exposição humana e prevenir consequências metabólicas de longo prazo.

 

CONCLUSÃO

A presente revisão integrativa demonstrou que a exposição ambiental contínua a disruptores endócrinos exerce influência direta e multifatorial sobre o metabolismo humano, especialmente na regulação da gordura visceral e nos mecanismos associados ao risco cardiometabólico. Os achados dos 20 estudos analisados revelam que compostos amplamente presentes no cotidiano, como bisfenóis, ftalatos, PFAS, pesticidas, PBDEs e metais pesados, atuam por múltiplas vias celulares, hormonais e epigenéticas, contribuindo para o acúmulo de gordura visceral, para a resistência à insulina e para alterações significativas na função metabólica e endócrina.

As evidências indicam que os disruptores endócrinos não apenas modulam a adipogênese e a sensibilidade hormonal, mas também intensificam processos inflamatórios e oxidativos que favorecem a expansão do tecido adiposo visceral, reconhecidamente associado a risco aumentado de diabetes tipo 2, dislipidemia, hipertensão arterial, infertilidade, síndrome metabólica e distúrbios tireoidianos. Adicionalmente, estudos que investigaram a exposição combinada a diferentes classes de compostos mostram que esses efeitos podem ser potencializados, indicando a predominância de impactos sinérgicos no organismo humano.

Outro aspecto crítico evidenciado nesta revisão é o papel das janelas de vulnerabilidade, sobretudo a exposição pré-natal e na infância. A programação metabólica adversa, resultante do contato precoce com essas substâncias, sugere que as repercussões metabólicas dos disruptores podem se estender por toda a vida, reforçando a urgência de intervenções preventivas, políticas regulatórias rigorosas e estratégias de vigilância ambiental.

Em conjunto, as evidências analisadas reforçam que os disruptores endócrinos representam um determinante ambiental de grande relevância para a endocrinologia e para a saúde pública contemporânea. Sua influência na gênese e progressão da obesidade visceral e de distúrbios metabólicos associados exige abordagem integrada, com foco na redução da exposição humana, na educação em saúde, na adoção de práticas industriais mais seguras e na incorporação de avaliações ambientais nas rotinas clínicas e epidemiológicas.

Por fim, os resultados apresentados destacam a necessidade de mais estudos longitudinais, investigações mecanísticas e análises de exposição combinada, a fim de ampliar a compreensão dos efeitos desses compostos e aprimorar estratégias terapêuticas e preventivas voltadas à mitigação dos impactos metabólicos adversos dos disruptores endócrinos.

 

REFERÊNCIAS

  1. Heindel JJ, Blumberg B. Endocrine-disrupting chemicals and obesity and metabolic disease. Nat Rev Endocrinol. 2022;18(3):157–60. doi:10.1038/s41574-021-00558-4.
  2. Trasande L, Liu B, Baines C, Trevares DE. Exposure to endocrine-disrupting chemicals and abdominal obesity in adults. Environ Res. 2021;197:112307. doi:10.1016/j.envres.2021.112307.
  3. Stojanoska MM, Milosevic N, Milic N. Bisphenol A exposure and visceral adiposity: a systematic review. Environ Sci Pollut Res Int. 2023;30(12):35018–30. doi:10.1007/s11356-022-23359-3.
  4. Rancière F, Lyons JG, Loh VHY, Botton J, Galloway T, Wang T, et al. Bisphenol A and the risk of metabolic syndrome: a meta-analysis. Environ Int. 2020;138:105828. doi:10.1016/j.envint.2020.105828.
  5. Filardi T, Panimolle F, Lenzi A, Morano S. Endocrine disruptors and adipogenesis: molecular insights. Int J Mol Sci. 2021;22(4):2093. doi:10.3390/ijms22042093.
  6. Deierlein AL, Wolff MS, Pajak A, Strakovsky RS, Hernández MF, Das A, et al. Perfluoroalkyl substances and insulin resistance in adults: a longitudinal analysis. J Clin Endocrinol Metab. 2021;106(4):e1890–e1902. doi:10.1210/clinem/dgaa970.
  7. Rappazzo KM, Coffman E, Hines EP. Exposure to perfluorinated alkyl substances and health outcomes in children: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(12):4350. doi:10.3390/ijerph17124350.
  8. Kim MJ, Kim S, Won YL, Lee HS, Lim JE. Heavy metals exposure and visceral adiposity: findings from computed tomography. Sci Total Environ. 2023;857:159423. doi:10.1016/j.scitotenv.2022.159423.
  9. La Merrill MA, Emond C, Kim MJ, Antignac JP, Le Bizec B, Clément K, et al. Toxicological mechanisms of dioxin-induced metabolic disruption. Environ Health Perspect. 2022;130(1):016001. doi:10.1289/EHP9082.
  10. Sun Q, Cornelis M, Townsend MK, Hu FB. Association of pesticide exposure with obesity: an overview. Environ Sci Technol. 2021;55(4):2231–43. doi:10.1021/acs.est.0c07978.
  11. Cano-Sancho G, Salmon AG, La Merrill MA. Association between bisphenol A exposure and thyroid dysfunction: implications for metabolic disorders. Environ Res. 2020;184:109620. doi:10.1016/j.envres.2020.109620.
  12. Ariantes J, Vrijheid M, Casas M. Prenatal exposure to endocrine disruptors and adiposity in childhood: a cohort study. Environ Int. 2021;156:106785. doi:10.1016/j.envint.2021.106785.
  13. Wu H, Zhou Q, Pan L. Phthalate exposure and endocrine disorders: mechanistic evidence. J Hazard Mater. 2022;423:126815. doi:10.1016/j.jhazmat.2021.126815.
  14. Kim S, Lee J, Park J. Polybrominated diphenyl ethers exposure and metabolic syndrome: population-based findings. Sci Total Environ. 2021;750:142813. doi:10.1016/j.scitotenv.2020.142813.
  15. Chiu YC, Weng TI, Lin YC. Urinary bisphenols and visceral fat index in adults. Chemosphere. 2023;311:137161. doi:10.1016/j.chemosphere.2022.137161.
  16. Eskenazi B, Parlett LE, Rosas LG, Harley KG. Prenatal exposure to environmental pollutants and metabolic outcomes in adolescence. Environ Health. 2020;19(1):115. doi:10.1186/s12940-020-00622-2.
  17. Lu Y, Wang X, Zhang Y. Environmental pollutants promote adipocyte differentiation: molecular pathways. Cells. 2022;11(2):268. doi:10.3390/cells11020268.
  18. Chen J, Li J, Wang Y, Zhang R. Lead and cadmium exposure associated with obesity and central adiposity. Environ Pollut. 2020;266(Pt 3):115403. doi:10.1016/j.envpol.2020.115403.
  19. Zhang Y, Ruan J, Li Z, Wang X. Association of DEHP metabolites with insulin resistance and abdominal adiposity. Environ Int. 2022;163:107334. doi:10.1016/j.envint.2022.107334.
  20. Martínez-Pineda B, Gil-Sánchez I, Fajardo V, Olmedo P, Goenaga P, Zafra-Gómez A, et al. Exposure to mixtures of endocrine-disrupting chemicals and abdominal obesity: a multinational analysis. Environ Sci Pollut Res Int. 2024;31(9):55662–74. doi:10.1007/s11356-023-30077-1.
Fale com a gente