
Family Health: Integral and Continued Patient Care
Andrea Carriço da Silva1, Camila de Souza Lopes2, Carmen Lúcia3, Claudete Lúcia Carvalho Oliveira4
Endereço correspondente: ranar75@hotmail.com
Publicação: 25/06/2025
DOI: 10.55703/27644006050116
RESUMO
Objetivo: Analisar a produção científica nacional sobre o cuidado integral e continuado ao paciente no âmbito da Estratégia Saúde da Família, com foco na atenção a condições crônicas em diferentes faixas etárias. Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura com metanálise descritiva. A busca foi realizada nas bases SciELO, BVS e LILACS, incluindo artigos publicados em português no Brasil entre janeiro de 2015 e junho de 2025. Foram selecionados 30 artigos que abordam o acompanhamento longitudinal de usuários com doenças crônicas na APS. A extração dos dados incluiu tipo de estudo, métodos, intervenções e principais resultados. Resultados: Os estudos demonstraram que a continuidade do cuidado está associada a práticas como educação em saúde, acolhimento qualificado, visitas domiciliares, uso racional de medicamentos e integração da APS com outras redes assistenciais. As condições mais estudadas foram hipertensão, diabetes, DPOC, transtornos mentais e polifarmácia em idosos. As fragilidades mais frequentes incluíram fragmentação entre níveis assistenciais, ausência de protocolos específicos e escassez de profissionais capacitados. Conclusão: O cuidado continuado ao paciente na ESF é essencial para a efetividade da APS. A valorização de práticas integradas, planejamento terapêutico singular e articulação entre serviços é fundamental para consolidar um modelo de atenção centrado na pessoa, sustentável e resolutivo.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Continuidade da Assistência ao Paciente; Doença Crônica; Estratégia Saúde da Família; Cuidados Integrados em Saúde.
ABSTRACT
Objective: To analyze the national scientific production on integral and continued care for patients within the Family Health Strategy, focusing on chronic conditions across different age groups. Method: This is an integrative literature review with descriptive meta-analysis. The search was conducted in SciELO, BVS, and LILACS databases, including articles published in Portuguese in Brazil from January 2015 to June 2025. Thirty articles were selected that addressed the longitudinal care of patients with chronic diseases in Primary Health Care (PHC). Data extraction included study type, methods, interventions, and main findings. Results: The studies showed that continuity of care is associated with practices such as health education, qualified welcoming, home visits, rational use of medicines, and integration between PHC and other healthcare networks. The most studied conditions were hypertension, diabetes, COPD, mental disorders, and polypharmacy in older adults. The most frequent weaknesses included fragmentation between care levels, lack of specific protocols, and a shortage of trained professionals. Conclusion: Continued patient care within the Family Health Strategy is essential for effective Primary Health Care. Strengthening integrated practices, personalized therapeutic planning, and network coordination is crucial to consolidating a person-centered, sustainable, and resolutive healthcare model.
Keywords: Primary Health Care; Continuity of Patient Care; Chronic Disease; Family Health Strategy; Integrated Health Care.
INTRODUÇÃO
A Atenção Primária à Saúde (APS), estruturada no Brasil a partir da Estratégia Saúde da Família (ESF), configura-se como o principal eixo de organização do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo responsável pela promoção, prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos ao longo do ciclo de vida dos indivíduos e coletividades. No centro dessa proposta está a noção de cuidado integral e continuado, cuja efetividade está diretamente relacionada à coordenação dos serviços, ao vínculo entre equipes e usuários e à longitudinalidade do acompanhamento clínico [1–4].
Em um cenário de transição demográfica e epidemiológica, marcado pela prevalência crescente de condições crônicas como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), doenças respiratórias como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), transtornos mentais comuns e multimorbidades associadas ao envelhecimento, a APS torna-se o lócus prioritário para o manejo contínuo e integral desses agravos. Estima-se que mais de 75% das hospitalizações no Brasil por condições sensíveis poderiam ser evitadas por meio de um cuidado longitudinal eficaz prestado pela atenção básica [5–7].
A literatura científica nacional evidencia que estratégias como grupos de educação em saúde, monitoramento farmacológico, uso de protocolos clínicos e tecnologias de informação têm se mostrado eficazes na adesão ao tratamento e no controle de doenças crônicas [1,2,5,8]. A atuação multiprofissional e o acolhimento na demanda espontânea fortalecem a autonomia dos usuários e sua responsabilização pelo autocuidado, ao mesmo tempo em que sustentam a construção do vínculo com a equipe de referência [3,9].
Por outro lado, diversas barreiras estruturais e organizacionais ainda dificultam a efetivação da continuidade do cuidado na APS. Entre essas, destacam-se a rotatividade de profissionais, ausência de fluxos intersetoriais consolidados, descontinuidade na vigilância de agravos e a fragmentação entre os níveis de atenção, especialmente no retorno pós-internação hospitalar [10–12]. Além disso, a articulação entre a APS e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para o cuidado em saúde mental permanece incipiente em muitas regiões, limitando a integralidade das ações [13–15].
O cuidado continuado demanda, portanto, não apenas ações clínicas, mas também dispositivos de gestão e educação permanente para os profissionais, ferramentas de estratificação de risco e planejamento terapêutico singular, com foco na individualização e no acompanhamento longitudinal dos usuários [16–20]. Nesse sentido, torna-se fundamental compreender como a literatura científica brasileira tem analisado as práticas, os desafios e os avanços no cuidado integral e continuado na Estratégia Saúde da Família.
Diante desse panorama, o presente estudo tem como objetivo realizar uma revisão integrativa da literatura com metanálise descritiva, a fim de analisar como os cuidados de saúde têm sido conduzidos de forma continuada e integral aos pacientes no contexto da Medicina de Família no Brasil. Busca-se, com isso, sintetizar as evidências sobre estratégias efetivas, identificar lacunas e contribuir com subsídios para o fortalecimento da APS como ordenadora da rede de atenção.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura com metanálise descritiva, cujo objetivo foi identificar e sintetizar as evidências disponíveis na produção científica nacional acerca do cuidado integral e continuado ao paciente no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF) e da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, com ênfase no acompanhamento de condições crônicas em diferentes faixas etárias.
A revisão integrativa é um método que permite reunir e resumir resultados de estudos anteriores sobre um tema específico de forma sistemática e ordenada, possibilitando a construção de um conhecimento abrangente, fundamentado e confiável para aplicação na prática clínica e na formulação de políticas de saúde. Esta abordagem foi escolhida por sua capacidade de integrar diferentes metodologias e consolidar evidências relevantes para a gestão do cuidado contínuo.
Etapas da revisão
O processo metodológico seguiu as seguintes etapas: (1) definição da questão norteadora, (2) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão, (3) seleção dos estudos, (4) extração dos dados, (5) análise crítica dos estudos incluídos e (6) síntese dos achados com metanálise descritiva.
A questão norteadora foi: “Como o cuidado integral e continuado ao paciente tem sido abordado na Estratégia Saúde da Família no contexto brasileiro, especialmente frente às condições crônicas?”
Bases de dados utilizadas
A busca foi realizada nas seguintes bases científicas: SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e portais de periódicos científicos de universidades públicas brasileiras. Todas são bases amplamente reconhecidas na área da saúde e de acesso gratuito.
Critérios de inclusão e exclusão
Foram incluídos artigos:
- Publicados entre janeiro de 2015 e junho de 2025;
- Redigidos em idioma português;
- Publicados em revistas científicas brasileiras;
- Que abordassem cuidados integrais e/ou continuados no contexto da APS/ESF;
- Que envolvessem condições crônicas como hipertensão, diabetes, DPOC, transtornos mentais, polifarmácia, entre outros;
- Com foco em diferentes faixas etárias (crianças, adultos e idosos);
- Que apresentassem desenho metodológico de revisão, estudo qualitativo, estudo transversal ou análise documental relevante ao tema.
Foram excluídos:
- Trabalhos duplicados nas bases;
- Artigos que não abordavam diretamente a continuidade ou integralidade do cuidado;
- Estudos com amostras exclusivamente hospitalares, sem relação com a APS;
- Teses, dissertações, monografias, editoriais, cartas e resenhas.
Processo de seleção e análise
Foram identificados inicialmente 97 estudos. Após a leitura dos títulos e resumos, 53 artigos foram considerados potencialmente elegíveis. Após leitura completa e aplicação dos critérios de inclusão, 30 artigos foram selecionados para compor a amostra final desta revisão.
A extração dos dados foi realizada por meio de formulário padronizado contendo: título, autores, ano de publicação, tipo de estudo, método, população/amostra e principais resultados. Os dados foram analisados qualitativamente e organizados em categorias temáticas relacionadas ao cuidado continuado e integral, tipo de condição crônica, intervenções utilizadas e desfechos clínicos.
Adicionalmente, foi realizada uma metanálise descritiva com categorização dos achados por condição de saúde, faixa etária e estratégia de continuidade, permitindo a análise cruzada das abordagens mais frequentes e suas respectivas contribuições práticas.
RESULTADOS
A amostra final desta revisão integrativa foi composta por 30 artigos científicos publicados entre janeiro de 2015 e junho de 2025, todos em português, com acesso aberto por meio de bases confiáveis como SciELO, BVS, LILACS e periódicos científicos nacionais. Os estudos selecionados abordam o cuidado integral e continuado ao paciente no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF), especialmente na atenção a condições crônicas ao longo de diferentes faixas etárias. A produção científica analisada indica que a continuidade do cuidado na APS está diretamente associada a estratégias organizacionais, intervenções educativas, ações domiciliares e articulação entre serviços da rede de atenção.
Do total, 25 estudos (83%) foram do tipo revisão integrativa, e os demais apresentaram delineamentos como estudos qualitativos, estudos de caso, análises documentais e estudos transversais. A distribuição por eixo temático revelou cinco grandes áreas de concentração dos estudos:
- Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus
Essas duas condições crônicas lideram a produção científica analisada, com 9 estudos voltados a intervenções como grupos educativos, acolhimento de demanda espontânea, uso de protocolos clínicos padronizados, monitoramento digital de parâmetros clínicos, e ações específicas de enfermagem, sobretudo no manejo do pé diabético. Os estudos [1,4–6,9] demonstram que a adesão terapêutica, o controle clínico e o fortalecimento do vínculo com a equipe de saúde são significativamente ampliados quando há investimento em ações sistemáticas e longitudinais no território.
- Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
A abordagem da DPOC na APS apareceu em 3 artigos que apontam resultados expressivos com atividades físicas supervisionadas, exercícios de fortalecimento muscular e acompanhamento domiciliar com foco em prevenção de agudizações. As evidências [11–13] demonstram que a atuação da enfermagem e dos fisioterapeutas na APS contribui significativamente para a melhora da qualidade de vida e a redução das internações.
- Saúde Mental na Atenção Primária
Quatro estudos enfocaram os transtornos mentais comuns, sobretudo ansiedade e depressão, além da demanda reprimida em saúde mental infantojuvenil. Os achados revelam fragilidades na articulação entre a APS e a RAPS, ausência de protocolos específicos e escassez de profissionais capacitados, comprometendo a continuidade do cuidado e a resolutividade clínica [15–18].
- Idosos, Multimorbidades e Polifarmácia
Cerca de cinco estudos analisaram o manejo de pacientes idosos com doenças crônicas, destacando-se o uso racional de medicamentos, visitas domiciliares e planejamento terapêutico singular. Os resultados [19–23] apontam que, na ausência de cuidado estruturado e coordenado, o risco de iatrogenias, duplicidade terapêutica e descontinuidade do cuidado aumenta consideravelmente.
- Organização da APS e Gestão do Cuidado
Por fim, nove estudos abordaram aspectos relacionados à gestão do cuidado, coordenação entre níveis assistenciais, educação permanente, Carteira de Serviços da APS e impacto do PMAQ-AB. Os resultados indicam que essas ações são fundamentais para garantir a longitudinalidade e integralidade da atenção, impactando diretamente na satisfação dos usuários e nos desfechos clínicos [24–30].
Tabela 1. Características dos estudos incluídos na revisão integrativa (N=30)
Nº Ref. | Condição Principal | Faixa Etária | Estratégia Avaliada | Resultado Principal |
[1] | HAS | Adultos | Educação em grupo | Aumento da adesão e vínculo com equipe |
[4] | HAS + DM | Adultos/Idosos | Avaliação do HIPERDIA | Fragilidade no seguimento longitudinal |
[5] | DM | Adultos | Educação em saúde | Aumento do autocuidado e controle glicêmico |
[6] | Pé diabético | Adultos | Cuidados de enfermagem | Redução de amputações |
[9] | HAS | Adultos | Ferramentas digitais | Melhoria no monitoramento clínico |
[11] | DPOC | Adultos | Atividade física | Melhora da função pulmonar |
[13] | DPOC | Adultos | Enfermagem na APS | Redução de reinternações |
[15] | Transtornos mentais | Adultos | Acolhimento e escuta qualificada | Fortalece vínculo e adesão ao tratamento |
[18] | Saúde mental infantojuvenil | Crianças/Adolescentes | Demanda especializada na APS | APS despreparada para saúde mental infantil |
[19] | Polifarmácia | Idosos | Monitoramento farmacológico | Redução de riscos e iatrogenias |
[23] | Idosos acamados | Idosos | Visita domiciliar | Prevenção de agravamentos |
[25] | Multimorbidades | Adultos | Planejamento terapêutico singular | Adesão aumentada com plano individualizado |
[26] | Saúde geral | Todos | Carteira de Serviços da APS | Racionalização do cuidado e ampliação de acesso |
[28] | Longitudinalidade | Todos | Avaliação da APS | Satisfação do usuário associada à continuidade do cuidado |
[30] | Qualidade APS (PMAQ) | Todos | Avaliação de políticas públicas | Acompanhamento contínuo melhora qualidade da atenção |
De forma geral, os resultados evidenciam que o cuidado continuado ao paciente na APS requer mais do que consultas periódicas: ele pressupõe ações integradas, vínculos fortes, planejamento terapêutico e articulação entre serviços da rede. A literatura mostra que quando essas condições são atendidas, o impacto na saúde da população, especialmente com condições crônicas, é positivo e sustentado. Por outro lado, a ausência desses elementos leva à fragmentação, descontinuidade e piora dos indicadores de saúde. Esses achados reforçam a importância de políticas públicas que consolidem a longitudinalidade, a integralidade e a coordenação do cuidado como pilares estruturantes da APS no Brasil.
DISCUSSÃO
Os resultados desta revisão integrativa evidenciam a relevância e a complexidade do cuidado integral e continuado no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF), especialmente diante da alta prevalência de condições crônicas em diferentes faixas etárias. A literatura brasileira analisada reforça que a Atenção Primária à Saúde (APS) ocupa posição estratégica na organização dos serviços de saúde, sendo o principal espaço de articulação entre prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos no território [1–3].
As evidências revelam que intervenções como grupos educativos, acolhimento qualificado, visitas domiciliares, planejamento terapêutico singular e uso racional de medicamentos se mostraram eficazes na construção de um cuidado longitudinal e centrado no usuário, principalmente em pacientes com hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM) [1,4–6]. Essas estratégias contribuem significativamente para o fortalecimento do vínculo entre equipe e usuário, a autonomia no autocuidado e a melhoria dos indicadores clínicos e terapêuticos.
Contudo, o estudo de Santos et al. [4] aponta que, mesmo diante de programas estruturantes como o HIPERDIA, a fragmentação e a baixa continuidade ainda são obstáculos recorrentes. Em muitos contextos, o acompanhamento clínico de pacientes crônicos não segue um fluxo articulado, o que compromete a vigilância de agravos e a adesão ao tratamento. Situação semelhante é observada em relação à DPOC, onde apenas parte das equipes desenvolve ações de cuidado sistematizado, apesar de evidências demonstrarem que o suporte multiprofissional contribui para a redução de hospitalizações e melhora da qualidade de vida [11–13].
No campo da saúde mental, os estudos analisados [15–18] evidenciam importantes lacunas na capacidade da APS de oferecer cuidado contínuo e resolutivo. A falta de articulação com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), somada à ausência de fluxos assistenciais definidos e à escassez de profissionais com formação específica, resulta em desassistência, especialmente em casos infantojuvenis. Esses achados reforçam a necessidade de integração efetiva entre os diferentes níveis de atenção, respeitando o princípio da integralidade.
Entre os idosos, especialmente aqueles em situação de multimorbidade e polifarmácia, os estudos [19–23] demonstram que o cuidado domiciliar e o monitoramento farmacológico são ferramentas fundamentais para garantir segurança terapêutica e prevenir agravos. A presença de equipes com competência técnica para o planejamento terapêutico singular emerge como um diferencial relevante para a continuidade e personalização do cuidado, valorizando não apenas os aspectos biomédicos, mas também os determinantes sociais da saúde.
Do ponto de vista organizacional, a presença da Carteira de Serviços da Atenção Primária (CaSAPS), bem como os incentivos dos programas de avaliação de desempenho como o PMAQ-AB, revelaram-se importantes catalisadores para o aprimoramento da qualidade do cuidado, desde que associados a ações estruturantes como a educação permanente e a garantia de financiamento sustentável [26,30]. Tais achados dialogam com os pressupostos da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que prevê a APS como ordenadora do cuidado e coordenadora da rede de atenção à saúde.
De forma transversal, os estudos convergem na constatação de que a longitudinalidade, o vínculo, a responsabilização e a coordenação do cuidado são elementos indispensáveis para assegurar a efetividade do cuidado integral e continuado. No entanto, sua implementação plena ainda enfrenta desafios como a rotatividade profissional, ausência de infraestrutura adequada, fragilidade nos sistemas de informação e escassa integração intersetorial.
Comparando os achados com diretrizes internacionais da Medicina de Família, como as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da WONCA (World Organization of Family Doctors), observa-se que o Brasil avança em direção a um modelo de cuidado centrado na pessoa, mas ainda precisa superar obstáculos sistêmicos para consolidar a APS como base do sistema de saúde. A revisão aponta caminhos possíveis, sobretudo na valorização da prática multiprofissional, na qualificação dos processos de trabalho e na construção de redes coordenadas e responsivas às necessidades reais da população.
CONCLUSÃO
A presente revisão integrativa demonstrou que o cuidado integral e continuado ao paciente, no contexto da Estratégia Saúde da Família (ESF), constitui-se como um pilar fundamental para a efetividade da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil. As evidências analisadas apontam que a continuidade do cuidado está intrinsecamente associada à presença de vínculo longitudinal, acolhimento qualificado, responsabilização da equipe, uso racional de medicamentos e planejamento terapêutico singular, especialmente no acompanhamento de condições crônicas como hipertensão, diabetes, DPOC, transtornos mentais e multimorbidades em idosos.
As práticas mais exitosas identificadas nos estudos incluíram a atuação multiprofissional, a educação em saúde, a organização de grupos terapêuticos, as visitas domiciliares e a integração da APS com outros pontos da rede, como a RAPS. Esses dispositivos contribuem diretamente para a adesão ao tratamento, a autonomia do usuário e a melhora dos desfechos clínicos, especialmente em contextos de vulnerabilidade social.
Por outro lado, os resultados também evidenciam limitações importantes, como a fragmentação do cuidado, a descontinuidade entre os níveis de atenção, a insuficiência de profissionais capacitados e a carência de fluxos assistenciais bem definidos — desafios que ainda comprometem a consolidação de um modelo de cuidado verdadeiramente integral. A escassa articulação entre APS e serviços especializados, especialmente na saúde mental, e as dificuldades na transição do cuidado hospitalar para o domiciliar merecem destaque como pontos críticos a serem enfrentados com prioridade.
Neste cenário, recomenda-se que gestores e profissionais da saúde invistam em estratégias de qualificação das equipes da APS, incentivo à educação permanente, valorização do trabalho em equipe, fortalecimento da rede de apoio intersetorial e implementação efetiva de ferramentas de estratificação de risco e monitoramento longitudinal. A disseminação de boas práticas e a padronização de protocolos baseados em evidências são caminhos promissores para garantir um cuidado que respeite os princípios da integralidade, equidade e continuidade.
Por fim, esta revisão contribui para o avanço do conhecimento na área da Medicina de Família e da Saúde Coletiva, ao sistematizar as evidências sobre o cuidado contínuo e oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas mais integradoras, sustentáveis e orientadas pelas reais necessidades da população.
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