REVISTA CIENTÍFICA IPEDSS: A CIÊNCIA A FAVOR DA SAÚDE E SOCIEDADE
ISSN 2764-4006
DOI 1055703
Volume 2. Número 2.
Petrolina, 2022.
VIVÊNCIA DE MULHERES QUE PARIRAM NA CASA DE PARTO E FORAM TRANSFERIDAS
Carla Luzia França Araújo¹, Luiziane de Oliveira Geraldo da Silva Correia² e Leila Gomes Ferreira Azevedo³
Endereço correspondente: Carla Luzia França Araújo – Rio de Janeiro, RJ – Brazil – E-mail: araujo.ufrj@gmail.com
Submissão: 28 de Abril, 2022 – Modificação: 02 de Maio, 2022 – Aceito: 06 de Junho, 2022
DOI: https://doi.org/10.55703/27644006020202
RESUMO
Os objetivos deste estudo foram descrever o sentimento das mulheres que pariram na Casa de Parto frente à notícia de transferência do recém-nascido; descrever o tratamento recebido nas maternidades referenciadas; analisar a vivência das mulheres que tiveram os filhos transferidos da Casa de Parto. Utilizou-se a pesquisa qualitativa e como metodologia a narrativa de vida. Nos livros de registro da Instituição foram identificadas as mulheres que foram transferidas para unidade de referência. Foi realizado contato telefônico e 14 mulheres aceitaram participar do estudo e realizaram a entrevista. Emergiram duas categorias: o inesperado momento da transferência e a vivência na maternidade; e a segunda subdividiu-se em três subcategorias: culpabilização pela escolha de parir na casa de parto, quando a continuidade do cuidado acontece e a comparação dos serviços. Destaca-se a importância da autonomia da mulher na escolha do local do parto e a garantia da continuidade do cuidado.
Palavras-chave: Violência; Obstetrícia; Enfermagem Obstétrica.
INTRODUÇÃO
Aos poucos as mulheres têm retomado a escolha pelo processo natural de nascer, através de informações sobre os benefícios e malefícios conseguem compreender que o parto normal oferece menos riscos que uma cesárea. São incontáveis os benefícios do parto normal para mãe e para o bebê, entre eles estão uma melhor e rápida recuperação da mulher e menor risco de adquirir uma infecção hospitalar a fazendo retornar precocemente aos seus afazeres e menor incidência de desconforto respiratório nos bebês (1).
O processo do parto sofre influência do estado emocional, de fatores ambientais e de valores culturais. É um momento de grandes expectativas e apesar de relacionado a dor e sofrimento pode ser interpretado como início de uma nova fase da vida. De encontro a essa parte prazerosa, muitas mulheres são vítimas de violência no parto, que pode transformar esse momento em um trauma, acarretando prejuízos para toda família (2).
A prática obstétrica tem sofrido alterações significativas nas últimas três décadas, com um maior destaque na promoção e resgate das características naturais e fisiológicas do parto e nascimento. A partir daí, muitos procedimentos hospitalares como a manobra de Kristeller, episiotomia rotineira, tricotomia, lavagem intestinal, jejum, entre outras, têm sido questionados pela existência de evidências que os contraindiquem e por trazerem desconforto à mulher. Os ambientes onde ocorre o nascimento também têm sofrido alterações, passando a ser mais aconchegantes e com rotinas mais flexíveis, permitindo que a mulher e sua família possam participar e expressar livremente suas expectativas e preferências. Com isso, surgem como opção, modalidades de assistência em ambientes não hospitalares, como os centros de nascimento fora dos hospitais e questiona-se também o predomínio do profissional médico na assistência, com o fortalecimento das Enfermeiras obstétricas e obstetrizes como atores importantes no momento do acompanhamento ao trabalho parto, assistência ao parto e avaliação do puerpério (3).
O conceito internacional de violência no parto é definido como qualquer ato ou intervenção direcionada à mulher grávida, parturiente ou puérpera, ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências (4).
Em 2010 foi realizada uma pesquisa intitulada “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, nos resultados apresentados 25% das mulheres brasileiras sofrem violência no parto, as formas mais comuns foram a agressão através de gritos, os procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, a falta de analgesia e até a negligência dos envolvidos com a assistência da ocasião. A população mais atingida foi a de mulheres pardas (29%), com 4 ou 5 filhos (29%), habitantes da região nordeste (27%) e das capitais (30%) (5).
A violência institucional em maternidades públicas tem sido apontada como resultado da precariedade do sistema de saúde e ligada à falta de investimentos no setor. A explicação de sua ocorrência inclui a conduta pessoal de desrespeito dos profissionais às pacientes. Embora as relações desiguais de poder marquem a interação médico/paciente em geral, neste caso, essa desigualdade pode ser transformada em violência de gênero, cuja ocorrência está relacionada à conjugação de serem mulheres além de pacientes, anulando-as como sujeitos de direitos, particularmente os direitos sexuais e reprodutivos. Essa forma de violência de gênero pode estar constituída de atos de negligência, maus-tratos físicos e verbais, e violência sexual (6).
Este estudo teve como objeto a vivência das mulheres que pariram na casa de parto e tiveram seus filhos transferidos para Unidade de referência. Como estas mulheres vivenciaram este momento e como foi a conduta dos profissionais da maternidade frente às necessidades destas mulheres?
Para realização deste estudo foram propostos os seguintes objetivos: Descrever o sentimento das mulheres que pariram na Casa de Parto frente à notícia de transferência do recém-nascido; descrever o tratamento recebido pelas mulheres que tiveram os filhos transferidos nas maternidades referenciadas; analisar a vivência das mulheres que tiveram os filhos transferidos da Casa de Parto.
MÉTODO
Foi uma pesquisa descritiva exploratória com abordagem qualitativa, utilizando o método de narrativas de vida. A fim de identificar as mulheres que foram transferidas após o parto por causas relacionadas ao recém-nascido, foi realizada consulta aos livros de acesso, onde eram registradas as admissões e saídas, podendo ser alta ou transferência e os prontuários. Foram utilizados como critérios de inclusão: ter mais de 18 anos; ter parido na casa de parto; ter acontecido a transferência do recém-nascido. E como exclusão: apresentar alguma dificuldade de comunicação que impossibilite de responder o questionário ou se recusar a participar de alguma fase da entrevista.
A coleta foi realizada de setembro de 2016 a janeiro de 2017, com uma entrevista semi-estruturada com questões para delinear a caracterização das participantes e três perguntas abertas: O que você sentiu quando recebeu a notícia que seu filho precisaria ser transferido? Como foi a sua vivência quando chegou na maternidade para onde o recém-nascido foi transferido? Como foi a sua vivência após o contato com os profissionais da maternidade para o qual o seu filho (a) foi transferido?
As entrevistas foram gravadas em MP3 e posteriormente transcritas na íntegra para melhor aproveitamento do material. Os dados foram tratados e analisados utilizando-se análise temática.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro com número CAAE 57649916.1.3001.5279. Todas as participantes assinaram e receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o anonimato das participantes, elas foram identificadas com a letra P (puérpera) seguido do número arábico, de acordo com a sequência das entrevistas realizadas.
RESULTADOS
No total foram encontradas 32 mulheres transferidas após julho de 2013. Deste total, nove não foram localizadas, pois os contatos registrados no prontuário não existiam mais, enquanto que outras nove se recusaram a participar da pesquisa. Com isso, 14 mulheres que pariram na casa de parto e tiveram seus filhos transferidos participaram da entrevista.
O perfil das participantes foi de jovens com idades entre 18 e 34 anos, na maioria pardas, com ensino médio completo, casadas, com renda entre dois e três salários-mínimos, católicas ou evangélicas e que tiveram apenas um filho que nasceu de parto normal.
A partir das narrativas sobre as histórias vividas durante as transferências foram criadas duas categorias de análise. A primeira fala sobre o inesperado momento da transferência e a segunda sobre a vivência na maternidade, que se divide em três subcategorias que falam sobre a culpabilização pela escolha de parir na casade parto, quando a continuidade do cuidado acontece e sobre a comparação dos serviços.
Categoria 1 – Vivendo o inesperado: a notícia da transferência para a unidade de referência
Todas as participantes relataram que os sentimentos apresentados no momento da transferência foram negativos, pois era uma situação inesperada. Além disso, citaram a preferência sobre permanecer na casa de parto ao invés de ser levada a outra maternidade, isto devido ao vínculo criado e confiança conquistada pela forma de atuação dos profissionais da Casa.
Fiquei arrasada. Porque durante todo pré-natal nunca apresentei nenhum tipo de complicação, até mesmo sem meu filho nunca tinha apresentado nada, e com ele eu levando uma gestação saudável, ao ponto que eu planejei e idealizei pra mim, eu tomei um susto, eu fiquei arrasada. Foi um momento de o que aconteceu? Por que isso agora? […] chorei muito, nossa chorei muito, porque pensei sair daqui direto pra minha casa com meu filho vinte e quatro horas depois, já que meu parto foi tão tranquilo, minha recuperação na hora me levantei bem, não tive nada, então assim pra mim foi bem complicado aceitar, bem complicado mesmo. P01
Desespero, tristeza, emoção, tudo junto de uma vez só. Eu não queria ir para lá, eu queria ficar aqui (casa de parto) entendeu […] P03
Ah um desespero, nossa horrível, porque lá na casa de parto sempre, desde a minha primeira filha eu sempre gostei de lá entendeu, e a gente se sente muito segura lá e quando falaram que eu ia ser transferida eu fiquei desesperada. P08
Categoria 2 – Vivenciando a assistência na unidade de referência
2.1 – A culpabilização da mulher pela escolha de parir na Casa de Parto
A maioria das participantes relatou em suas narrativas que foram indagadas sobre a escolha de parir na casa de parto e perceberam que o tratamento recebido foi diferente se comparado às mulheres que pariram na maternidade, se sentiram destratadas ou culpabilizadas devido a suas escolhas.
Foi no começo é meio, não é destratado, mas não tem o mesmo tratamento da pessoa que já teve o filho lá, nasceu lá […]. P02
Ah muito preconceito, a primeira coisa que fez quando chegou lá, ah por isso que acontece essas coisas, quer ficar tendo filho na casa de parto, um bando de carniceiro, que nem médico tem, de verdade, eles fazem a besteira aqui e depois empurra para lá. E a doutora que me atendeu assim que eu cheguei não estava entendendo por que pegaram cadeira de rodas, pegaram maca e eu falei: “não, não preciso de nada disso” porque assim que eu o tive, o problema foi mesmo infelizmente com ele, porque senão seria tudo perfeito, “eu não, não preciso”. Não contente ela me levou para sala de observação, e eu falando? “não preciso de nada, não preciso de você, porque lá cuidaram de mim, eu não preciso que você me examine”, ela: “não é protocolo pra você ficar aqui tudo bem. Quando ela me examinou, viu que eu não estava com sangramento, não estava com nada…, porque eles imaginam que você tem aqui, que você tá toda aberta por dentro. Eu vi assim, porque eu não estava com nada, todas as reações assim do rosto dela eu estava olhando, então aquela frustação “é pode levantar mãezinha, você não vai precisar de nada não, nem de nenhum remédio, está tudo bem”, eu: “é disso eu já sabia”, aquela resposta que você fica guardando para dar: “é eu falei para você que eu não precisava de nada. P03
Ah eles falam né, eles não gostam muito de lá. Eles não veem a casa de parto como nós que somos tratadas aí, fazemos o pré-natal a vemos, eles veem com outros olhos. Quando eles perguntaram de onde ela veio? Da casa de parto. Ah tinha que ser! Parece até que eu vim nossa do açougue, pelo contrário eu me senti muito bem tratada na casa de parto com tudo que eles fizeram por mim lá. ai ele falou assim, tipo falando do pessoal da casa de parto, ai ele falou assim: “você já viu aquelas crianças que andam todas tortinhas na rua? seu filho tem o risco de ficar assim.” Ai eu fiquei desesperada comecei a chorar, meu esposo chorava, não é possível deu tudo bem na ultra, fiquei nervosa desesperada, ele falou isso na hora de examinar meu filho. P08
Sim a todo o momento, falava: “porque que eu tive lá?”, que eu sou maluca, a primeira que falou foi a ginecologista, eu tive que passar na ginecologista né pra ela ver, ai ela foi e falou, e depois foi as enfermeiras lá da UTI. A ginecologista perguntou: “Por que que você foi ter filho lá?”, aí eu falei: “porque eu quis ué! P14
2.2 – Quando a rede de atenção à mulher proporciona a continuidade da assistência
Algumas mulheres declaram que o atendimento foi adequado, com profissionais competentes, boa estrutura hospitalar e satisfatório cuidado prestado. Para essas mulheres o serviço prestado foi de qualidade, elas não se sentiram diferenciadas, foram bem recebidas na transferência e bem tratadas durante a internação.
Eu não fui destratada pelos plantões, pelo contrário, super atenciosos, os enfermeiros, acho que foi só a receptividade, mas depois que eu fui para o quarto, a enfermeira que veio também, que já botou o acesso no meu filho, conversou comigo, foi me acalmando, […] fui bem tratada, não tive do que reclamar […] P01
Assim, eu realmente não tenho do que reclamar não. Fui super bem atendida, como ele estava demorando a mamar foi bem-visto, porque eu não estava conseguindo levantar porque eu estava no soro, ai ele mamou direitinho com aquele leitinho no copinho, mediram a glicose dele, eu não tenho nada do que reclamar não. P06
Foi eficiente, apesar de ter demorado um pouco o meu atendimento, a minha internação. Foi tudo tranquilo, não tenho do que reclamar não. P10
2.3 – A comparação com o atendimento na casa de parto
Algumas delas compararam o serviço prestado entre a Casa de Parto com o recebido na maternidade de referência, evidenciando o admirável trabalho realizado pelos profissionais da Casa de Parto. As mulheres que têm o parto na casa de parto criam vínculo com os profissionais devido ao modelo de atendimento, com a realização do pré-natal e participação em vários grupos educativos, isso torna os profissionais mais próximos e acessíveis, o que não ocorre com os profissionais da maternidade de referência como observado nas falas:
[…] Sendo que a casa de parto na minha opinião é muito melhor do que o hospital, porque as meninas lá, as enfermeiras lá, são um pouquinho ignorantes, não te explica muita coisa, não tem paciência pra explicar, isso lá naquele hospital de Bangu, mas a casa de parto é maravilhosa não tem nem o que falar dela. P04
Na casa de parto eles deixam os acompanhantes lá, recebem os acompanhantes muito bem, dá alimentação tanto pro acompanhante quanto pra mãe que está lá com seu bebê, entendeu, eles vão lá medem a pressão toda hora, lembram do horário do remédio, tudo isso, pra casa de parto minha nota é mil. É muito bom a casa de parto. P04
Ah eu não gostei muito não, não me deram muita atenção, você fica esperando muito tempo para enfermeira examinar meu filho, aí tem que esperar que ela tá lá no andar, tem que esperar que é de noite, ai ela chegou e foi ignorante. P08
DISCUSSÃO
Em partos que acontecem fora de maternidades hospitalares, as taxas de transferência variaram de cerca de 10% a 20%, seja por causa materna ou neonatal. A taxa de nulíparas transferidas é quatro vezes maior em comparação com as multíparas, corroborando com o resultado dessa pesquisa onde a maioria das mulheres eram nuliparas (3).
A Casa de Parto atende somente gestantes de risco habitual, elas precisam ser saudáveis e não apresentar nenhum tipo de alteração com ela ou com o bebê. Isso justifica o sentimento apresentado pelas puérperas no momento da transferência, pois não esperavam que seus bebês necessitassem de remoção. Sentimentos de tristeza, medo e estresse são vivenciados pelas mães que têm os recém-nascidos hospitalizados, a internação promove desequilíbrio emocional nos pais, as mães apresentam esses sentimentos por não saberem o que está acontecendo com seu filho (7).
Outra justificativa para esses sentimentos apresentados é o tratamento recebido pelos profissionais da Casa de Parto, as mulheres desejam ficar lá com as enfermeiras que elas confiam e que a respeitam, e não ser transferidas para uma maternidade onde desconhecem a forma de atendimento ou que não tiveram boas experiências em transferências anteriores. A Casa de Parto é um espaço institucionalizado que oferta um cuidado prezando o respeito à fisiologia feminina baseado no respeito aos direitos sexuais e reprodutivos (8).
A Casa de Parto funciona com o atendimento apenas de enfermeiros obstetras atendendo aos partos de risco habitual, são profissionais habilitados e trabalham de acordo com o Protocolo de Assistência da Casa de Parto David Capistrano Filho–Resolução SMS nº. 1041 de 11/02/2004 que respalda esta prática8, eles atendem gestantes no pré-natal, no parto e no pós-parto, também oferecem pronto-atendimento quando apresentam intercorrências obstétricas. O atendimento ao parto é vinculado à realização do pré-natal na instituição, e os casos que requerem avaliação e acompanhamento médico são encaminhados para a maternidade pública de referência (9).
Essa referência é realizada respeitando o princípio doutrinário da Integralidade, que é garantido pela Constituição Federal de 1988, e é articulador dos níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde: mesclando ações assistenciais e preventivas em quaisquer dos âmbitos de prestação de cuidado, do primário ao terciário (10).
As falas expressam a culpabilização das mulheres pelos profissionais da maternidade devido à escolha em parir na Casa de Parto, na maternidade de referência também existem enfermeiros obstetras atuando no parto de risco habitual, logo esse tipo de atendimento que as mulheres relataram sofrer não se justifica, e pode ser considerada uma forma de violência obstétrica.
A Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal (3), afirma que a assistência ao parto e nascimento de baixo risco que se mantenha dentro dos limites da normalidade pode ser realizada tanto por médico obstetra quanto por enfermeira obstétrica e obstetriz. E ainda assegura que as mulheres que optarem pelo parto em Centro de Parto Normal (extra, peri ou intra-hospitalar), cientes dos riscos e benefícios desses locais, devem ser apoiadas em sua decisão.
Foi realizada uma revisão nos estudos sobre parto em centros de parto normal extra-hospital comparado com parto em maternidade hospitalar e não foi encontrada nenhuma diferença nos resultados de morbidade e mortalidade neonatal entre os dois grupos. Em relação às taxas de admissão em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal, a evidência foi inconsistente: quatro estudos com mais de 4.000 mulheres não encontraram diferenças, mas, dois estudos com mais de 30.000 mulheres relataram maiores taxas entre os recém-nascidos de mulheres que planejaram o parto em uma maternidade baseada em hospital (3).
As evidências analisadas na mesma revisão evidenciaram vantagens, na percepção de benefícios clínicos e baixa dos danos, com manejo por Enfermeiras obstétricas ou obstetrizes em relação aos outros modelos comparativos, com redução de intervenções obstétricas, como analgesia regional e episiotomia, além da melhoria da satisfação das mulheres e início mais precoce da amamentação, sem efeitos adversos (3).
A violência obstétrica pode ser caracterizada pelo domínio do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através da falta de humanização, intenso uso da medicalização e patologização dos processos naturais, que gera a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, atingindo negativamente a qualidade de vida das mulheres. Ainda há muita falta de respeito e abuso dos profissionais de saúde contra as mulheres durante a gravidez, o parto e o puerpério, períodos em que carecem receber assistência, apoio e proteção (2,4).
Puérperas com os bebês hospitalizados se encontram fragilizadas e inseguras, por isso, durante a este processo, é de grande importância a humanização da assistência à família e ao recém-nascido, oferecendo cuidados integrais, valorizando suas crenças, valores e escolhas, lembrando que cada ser é único (7).
Para algumas mulheres o atendimento na maternidade de referência foi satisfatório, essa deveria ser a impressão de todas as mulheres que são removidas para esse serviço, com a continuidade do cuidado de qualidade. A falta de preparo institucional pode ser um fator desencadeante da violência obstétrica; as melhorias em nível de entidade hospitalar, relativas à estrutura física, estrutura com pessoal capacitado e estrutura de diretrizes assistenciais, colaboram para gerar um atendimento mais humanizado (2).
O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento foi instituído pelo Ministério da Saúde, em 2000, ele preza pelo respeito aos direitos e reforça a visão da humanização. Garantir a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e puerpério às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania é a mais importante estratégia desse programa. No Brasil, a atenção à mulher no período gravídico-puerperal permanece como um desafio para a assistência, na qualidade do serviço e nos princípios filosóficos do cuidado, ainda centrado em um modelo medicalizante, hospitalocêntrico e tecnocrático (11).
O parto é um processo marcante na vida da mulher e de todos que nele possam se envolver, sofre influência do contexto sociocultural em que ocorre. O acontecimento se dá desde a concepção do novo ser, a sua vinda ao mundo até o puerpério. As mulheres que vivem esse momento podem precisar de assistência profissional. Os profissionais de saúde, neste contexto, trabalham no sentido de favorecer a transição, promovendo o desenvolvimento humano e a vida em sua plenitude (12).
A casa de parto é uma instituição que se destaca de outros por ser um campo obstétrico no qual enfermeiras obstétricas conquistaram a exclusividade para atuar na assistência à gestação, ao parto e ao pós-parto. É considerada um campo obstétrico institucionalizado desmedicalizado por ter autonomia e uma lógica encorajadora de trabalho de parto ativo e participativo e por desenvolver tecnologias não-invasivas de cuidado de enfermagem. As práticas desenvolvidas pelas enfermeiras da Casa de Parto estão baseadas nos conceitos de humanização que enfatizam que elas devem ter uma atitude de respeito frente às demandas das mulheres e seus bebês, respeitando sempre o protagonismo da mulher (8). Por isso é escolhida pelas mulheres para o atendimento neste processo de gerar/parir.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo permitiu afirmar que as mulheres quando colocadas em uma situação inesperada, após um momento de grande exaustão física e psicológica, que é o parto, apresentam sentimentos negativos que podem ser relacionados à insegurança de não saber o que pode acontecer com seus filhos.
Deve-se atentar para as atitudes dos profissionais da maternidade de referência, pois as mulheres chegam lá emocionalmente comprometidas com a notícia inesperada da transferência e ainda recebem um tratamento que as faz sentir culpadas pelo que ocorreu com seus filhos, podendo acarretar problemas psicológicos ou comprometendo a autonomia delas em gestações futuras.
A satisfação sobre o atendimento prestado deve ser a meta para todos os serviços da rede, e se faz necessário garantir às mulheres o direito à continuidade da assistência, garantindo a integralidade do cuidado com qualidade e respeito à autonomia e escolhas independente da unidade de serviço.
O estudo apresentou limitações durante a coleta de dados, pois os contatos das puérperas registrados nos prontuários muitas vezes não estavam atualizados, impedindo que as localizássemos. Lacunas nesta temática ainda foram encontradas e sugere que mais pesquisas devam ser realizadas, para estudar este fenômeno por outros ângulos.
REFERÊNCIAS
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3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal: Relatório de recomendação. Nº211, Brasília – DF, maio, 2016.
4. EBC. Notícias. Colaborativo. Uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto. [Internet]. [acesso em 09 de abril de 2016]. Disponível em: Link
5. Venturi W et al. Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privado. Fundação Perseu Abramo e SESC 2010 [Internet]. [acesso em 09 de abril de 2016]. Disponível em: Link
6. Aguiar JM et al. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 29(11):2287-2296, nov, 2013.
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8. Azevedo LGF. Estratégias de luta das enfermeiras obstétricas para manter o modelo desmedicalizado na Casa de Parto David Capistrano Filho. 2008. 110f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
9. Pereira ALF et al. Resultados maternos e neonatais da assistência em casa de parto no município do rio de janeiro. Esc Anna Nery (impr.)2013 jan -mar; 17 (1):17-23
10. Macedo LM, Martin STF. Interdependência entre os níveis de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS): significado de integralidade apresentado por trabalhadores da Atenção Primária. Interface (Botucatu). Comunicação, saúde e educação. Botucatu-SP, 2014.
11. Freitas FFQ et al. Satisfação de puérperas em relação à assistência de enfermagem recebida em um alojamento conjunto. Rev. Ciênc. Saúde Nova Esperança – Dez. 2014;12(2)
12. Dodou HD et al. A contribuição do acompanhante para a humanização do parto e nascimento: percepções de puérperas. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem 18(2) abr/Jun2014.
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